“– O que você acha? –perguntava o editor.– O Brasil ganha a Copa? –e logo voltava à proposta de tradução, acenando com muito mais trabalho pela frente, o Donetti me disse que você é uma fera, e Beatriz (que quase encaixou com um sorriso talvez ele tenha dito noutro sentido, mas era melhor não brincar) aceitou imediatamente a tarefa, o preço da lauda era surpreendentemente bom para uma tradutora novata, 32 reais, um autor de impacto para pôr no currículo, e o selo da editora impunha respeito. Depois, aquele ciúme esquisito surgindo do nada, disfarçado em consciência política, Esse cara é de direita, Beatriz, você vai cair em desgraça na Universidade, ninguém lê Xaveste no Brasil, e ela não entendeu, você ficou maluco?! Por que indicou meu nome? Além de tudo, durante a Copa não se trabalha e eu ainda não sou funcionária pública, destino de todo letrado brasileiro –tenho de camelar, mas agora os dias se atropelavam e o texto– a escola de Frankfurt que, mesmo depois do terror de uma Europa esmagada pela devastadora erupção nazista, foi incapaz de desembarcar do próprio neoiluminismo jacobino ao vituperar, assim que, resgatada pelo odiado capitalismo, pisou o novo mundo, contra o jazz, a liberdade, o dinheiro, a vulgarização americana, a força transformadora do comércio, todos aristocratas saudosos [nostálgicos??] do inferno da melancolia, da flanagem bordel baudelariana de um marquês pessimista cuja única responsabilidade é o meu próprio desejo –Cabe esse meu aqui? Voltou duas folhas no livro. A revisão vai me dar mais trabalho do que a tradução, e Beatriz suspirou, um cansaço por antecipação já de manhãzinha, e conferiu quanto faltava ainda, mais oitenta páginas de letra miúda, o livro de lombada dura, duro de manter a página aberta, eu deveria ter tirado xerox, como o Paulo sugeriu, já que não existe um pdf original à disposição. Deixe de ser mesquinha, ele disse. Ele vive me corrigindo, ela pensou em contar para alguém, em um tribunal de acusação, e Beatriz olhou o teto, achando graça, fazer um bom relatório daquela relação doentia que eles levavam, ele sempre me achando defeito, curitibana pão-dura, ele brincou, e eu também, isso não se enquadra em alguma lei de injúria e difamação, por que eu ainda atendo telefone?! A minha vida anda estéril, uma máquina de dar aulas particulares, produzir e revisar textos e sonhar com o dia em que a sombra de Paulo Donetti –
– O pão!”
O filho eterno
Por Cristovão Tezza