“Era uma quinta-feira quente, aquele dia do mês de Junho de 1990. Como fazia todas as manhãs, atravessei o rio de barco. Um costume adquirido para saborear um gosto antigo. Naquele dia eu vestia roupa branca, sem mácula, sem suor, saído dum banho de água fria como quando ele me conduziu ao altar para receber a minha primeira comunhão. Os jacarandás tinham inundado a cidade de Lisboa com uma cor lilás litúrgica celebrando o renascimento do calor e o fim dos dias de sono e de trevas. Os médicos tinham prometido que ele regressaria a casa no fim de semana, como podiam ter dito no fim do dia, da manhã ou do tempo. No caminho do hospital, minha mãe disse-me, sempre com o pudor de não me transmitir as suas emoções, que lhe fora anunciado em sonhos que ele tinha arrumado as suas pertenças e partira. Ela mostrava um rosto sereno como que a dizer que ele também o estava, e suava na fronte, evocando a subida definitiva ao monte de Calabaqui. Desta vez não desceria à cidade de Díli. Cansara-se e agora descansava”.
Crônica de uma travessia
Por Luís Cardoso