O grafite e a pichação seguem a mesma vertente histórica – as artes rupestres. Elas eram pintadas em pedras e no interior de cavernas no período pré-histórico. As ilustrações das figuras eram usadas como meio de se expressar e representar os costumes e práticas humanas da época, além de também ser um meio de diálogo entre quem desenhava e quem via as imagens depois.

Créditos: Conhecimento Científico
#ParaTodosVerem – A imagem acima é uma ilustração avermelhada feita em carvão sob uma superfície de pedra marrom clara. A ilustração é composta por vários homes com arcos caçando um boi.
A origem do grafite
Durante o Império Romano, surgiram inscrições em paredes, sendo elas desenhos, escritos relacionados a pensamentos filosóficos e críticas políticas. Do italiano, graffitti, a palavra foi atravessando épocas, até chegar no que é conhecido hoje, o grafite.
A ideia de desenhar em paredes e monumentos públicos ou privados até hoje é a mesma. Usar da arte para comunicar, transmitir uma mensagem e se expressar diante das imagens e escritos é de grande importância para quem faz. No entanto, a diferença que atravessa os dois períodos históricos está relacionada à técnica, uso de cores e os tipos de desenhos.

Gravura (1854-90) dos irmãos Fausto e Felice Niccollini
#ParaTodosVerem – A imagem é uma gravura. Nela temos três pessoas conversando em ruínas. Nesse local há algumas inscrições nas paredes, como “Caio” e “Faustina”.

Grafite encontrado no exterior da Biblioteca Central, nos domínios da Universidade Estadual de Maringá
#ParaTodosVerem – O grafite acima tem ilustrada a imagem de Conceição Evaristo, uma mulher negra, de cabelos brancos e enrolados, presos por uma tiara na cabeça. Ela está olhando para o lado esquerdo. Ao lado dela temos ilustradas duas flores pretas e diversas folhas que sobem por entre as duas plantas. A frente desse desenho há escrito o nome “Conceição Evaristo” e a assinatura do grafireiro – Asuc, e abaixo #Cocrew.
A pichação
A pichação, em sentido contemporâneo, surgiu pouco depois de meados do século XX. Esse tipo de manifestação é formada por elementos como sinais e rabiscos, além de, no Brasil, ter uma letra própria para isso.
A palavra tem origem do inglês pitch (piche, breu), e o verbo pichar é muito provavelmente nativo do Brasil. Segundo o artista Saulo Metria, em entrevista para o podcast Não sei!, essa palavra também pode ter vindo do barulho que o spray faz quando é apertado para pichar os muros, por exemplo.
Um ponto importante é que o senso comum classifica como pichação qualquer escrita em locais públicos. Porém, para picho ser considerado dessa forma, ele precisa seguir uma estética de letras e geralmente ser de cor preta. “A ideia é que ocupe o maior espaço possível do lugar onde está sendo escrito, se não é só mais uma intervenção urbana”, diz Saulo Metria.
Por ser de difícil compreensão, a ideia de se escrever com letras diferentes das convencionais é também uma forma de comunicação entre os próprios pichadores, assim um pode reconhecer o outro através das mensagens deixadas nos muros, lendo o que o outro pensa, por exemplo.

Créditos: Pinterest
#ParaTodosVerem – Na imagem há escrito um alfabeto na estética da pichação. Ele está todo em branco e o fundo da imagem tem a cor preta. As letras e símbolos são diferentes dos habituais, pois são mais cumpridas e cheias de riscos que dificultam a leitura.
É arte ou crime?
A Constituição de 1988 prevê que todo ser humano tenha direito a liberdade de expressão. Essa premissa básica para a dignidade humana é ambígua quando se trata de manifestações artísticas em locais públicos ou privados como o grafite e as pichações.
Na sociedade, culturalmente, o picho é visto como sujeira e vandalismo, enquanto o grafite acabou se tornando sinônimo de arte e é reconhecido com algo visualmente agradável e bonito, diferente das pichações em preto e com letras difíceis de serem compreendidas.
O contraste entre os dois modos de se expressar através da arte gera muitos julgamentos. Enquanto o grafite se torna uma arte contemporânea, as pichações são sinônimo (do senso comum) de vandalismo. No entanto, sem a devida autorização para ocupar espaços, sejam eles públicos ou privados, ambos são considerados crime. A diferença é que, aos olhos de quem vê, um deles acaba se tornando relevante, o outro não.

Foto: Vitória Mariana. Grafite encontrado em um muro da cidade de Apucarana, PR
#ParaTodosVerem – A imagem acima é um grafite. Ele está desenhado em um muro próximo a uma rua. Nele há três mulheres, sendo elas (da esquerda para a direita) Frida Kahlo, Madre Tereza de Calcutá e Rainha Ginga. Em volta das mulheres, há uma rosa vermelha em cada uma das laterais. Acima delas tem escrito “O mundo que a gente quer é sem violência à mulher!”. Há, ainda, do lado esquerdo um número de telefone celular, abaixo dele o nome “Mancha Mina”, e do lado direito temos escrito “Secretaria da mulher”. A frente do muro existe um poste de luz, uma placa de trânsito e uma lixeira com uma pichação em branco.

Foto: Vitória Mariana. Pichação encontrada em uma parede do bloco G34 da Universidade Estadual de Maringá
#ParaTodosVerem – A imagem acima é uma parede de tijolos marrons com uma faixa de alvenaria em bege claro no alto dela. Nessa parede temos uma pichação em preto e uma em branco. Ainda nessa parede há um aviso de que no local existem câmeras de segurança.
Duas formas de expressão?
Com tanto contraste em relação a estética, as duas manifestações podem ser consideradas diferentes, mas Guilherme Valiengo, diretor do documentário “Cidade cinza” (2013), em entrevista ao podcast Nexo Podcast, diz que “grafite e picho estão no mesmo lugar, é a mesma coisa, os dois são rua pura. Pertencem e nasceram na rua, o que diferencia é a técnica, utilização de cor também, mas a essência é a mesma, marcar espaço, conquistar território e deixar o nome lá. Grafiteiro e pichador querem deixar o nome lá para todo mundo ver”.

Créditos – @mancha_ia_crew
#ParaTodosVerem – A imagem acima é um grafite. Nela há desenhado o rosto de uma família de leões. Sendo eles um macho em tons de laranja, junto com um filhote, a leoa em tons de azul e o outro filhote em tons de amarelo. Eles estão dispostos dessa forma: a leoa no centro , o leão acima dela do lado esquerdo e com a cabeça apoiada na fêmea, os filhotes ao lado da leoa no plano da frente da imagem, estando eles um de cada lado. Ao fundo há desenhada uma paisagem em azul de noite com algumas árvores em preto. O grafite é cercado com um retângulo branco. No meio inferior desse retângulo há o @ do artista, sendo ele @mancha_ia_crew

Foto: Vitória Mariana. Pichação encontrada na parede interior do bloco G34 da Universidade Estadual de Maringá
#ParaTodosVerem – A imagem acima é de uma parede bege. Nela há escrito em letras do alfabeto do picho “Notório” em preto. Acima do que temos escrito, ao lado direito, temos a ponta de uma seta em preto, e abaixo há um corrimão em amarelo.
Por que o grafite é considerado arte e a pichação crime?
Mais agradável aos olhares, os grafites são mais bem aceitos socialmente por serem desenhos esteticamente compreensíveis, muitas vezes por estarem presentes em locais que se tornam mais alegres, por exemplo.
Diferente do grafite, a pichação não tem o intuito de ser aceita, muito menos de se tornar agradável aos olhos. Ela inclusive serve para incomodar e gerar desconforto com o que deseja transmitir. Por esse motivo é que o picho acaba sendo considerado como um ato de vandalismo e crime.

Foto Vitória Mariana. Créditos: @joao_utopia
#ParaTodosVerem – A imagem acima é um grafite na parede externa do Colégio Estadual Nilo Cairo, em Apucarana, PR. Nele temos desenhado um menino em tons de cinza e com uma camiseta branca. Ele segura na mão esquerda um pirulito azul e mostra a língua, que está da mesma cor. No plano de fundo da imagem há três triângulos: um deles está logo atrás da criança e é um gradiente de tons laranja, que vai abrindo até o amarelo. Do lado esquerdo da criança temos outro triângulo, esse em tons de azul escuro, que cruza o outro triângulo mencionado. O último triângulo é formado do lado direito da imagem e não está pintado, ele é bege – a cor do muro onde há o grafite. Do lado direito da imagem há também o nome do grafiteiro – @joao_utopia.

Foto: Vitória Mariana. Pichação encontrada no bloco G56 da Universidade Estadual de Maringá
#ParaTodosVerem – Acima temos a imagem de uma caixa de energia colocada em uma parede de tijolos laranja. Essa caixa é cinza, e nela há algumas pichações em preto e azul, uma delas é a escrita no alfabeto convencional “Dina da Valho”, além de um papel colado com a ilustração de uma bicicleta, e outro com uma ilustração já pouco visível.
Então picho não é arte?
Quando se considera arte, tudo o que mexe com a percepção humana, ou seja, a arte existe para suprir uma necessidade humana que vai além dos próprios sentidos. No entanto, quando se trata do picho, a resposta de Saulo Metria é “tanto faz”, isso porque, segundo ele, essa movimento não nasceu para ser considerado arte, e sim para ser uma manifestação social, política e ideológica.
E é por esse motivo, que Saulo Metria diz que “o picho é como um termômetro social, ele acontece onde acontece maior contraste social politico e ideológico. Geralmente onde o estado não age o picho aparece com maior frequência. Então revela para a sociedade o que ela não quer ver, por isso e uma manifestação importante porque revela o que a sociedade joga para baixo do tapete”.

Créditos – City Koh – Pichação encontrada em uma parede de São Paulo
#ParaTodosVerem – A imagem traz a foto de um muro branco de alvenaria. Nele temos escrito no alfabeto do picho “Os queridos . Os bicho vivo, túmulos, non”. Abaixo da primeira frase, há escrito em letras normais “No país da corrupção quem tem moral pra criticar a pixação!”.
Indicações
Se você se interessou pelo assunto, aqui vão algumas indicações:
Pichação é arte? – Cidade ocupada (com Fred Melo Paiva)
A arte do traço urbano – II Enconto de Graffiti de Maringá
#ParaTodosVerem Imagem de capa – A imagem é uma montagem. Nela, do lado esquerdo temos o grafite de uma criança em tons de cinza. Ele está mostrando a língua que está azul. Do lado direito da montagem há uma parede bege em alvenaria. Nela temos uma pichação em verde com as letras do alfabeto do picho.
Referências