Durante muito tempo a televisão brasileira se ocupou de representar a homossexualidade de uma forma deturpada, colocando pessoas com essa orientação sexual como “bicha louca”. Esse tipo de representação não despertava incômodo em relação aos espectadores, já que o estereótipo era feito para gerar entretenimento, não questionamentos ou críticas.
Personagens caricatos da televisão
Nos anos 80 e 90, em programas de humor como Viva o Gordo e Chico Anysio Show, as representações homossexuais apareciam através de personagens caricatos, com falas marcantes e roupas essencialmente coloridas que, no imaginário e na cultura popular, eram tidos como “cores de mulher”, como o rosa.
Outro reforço para a caricatura dessas representações eram as falas marcantes (os bordões) dos personagens, que fixavam na cultura popular e dentro das casas dos espectadores quais eram os modos de agir de pessoas homossexuais, por exemplo.
A visão que se tinha por causa dos programas de televisão colocava, aos olhos populares, pessoas homossexuais na vida real como figuras também caricatas, escandalosas, extremamente agitadas e como o centro das atenções por onde passavam.
Dois personagens essenciais para entender como era esse tipo de caracterização eram: Capitão Gay, personagem de Jô Soares da década de 80, e Haroldo o Hétero, interpretado por Chico Anysio na década de 90.
Viva o Gordo
Um programa essencialmente comandado e interpretado por Jô Soares, Viva o Gordo era construído em vários quadros, cada um com uma história relacionada a um personagem.
Capitão Gay, um dos quadros do programa de humor, foi ao ar pela primeira vez em 1982. Nele, o personagem era um homem de negócios junto de seu parceiro Carlos Suely. Os dois personagens deixavam o terno e se transformavam em super-heróis quando chamados para resolver algum problema.

Créditos: Observatório do Cinema – UOL
#ParaTodosVerem – Na imagem acima há dois homens lado a lado. O primeiro é o personagem de Eliezer Motta, Carlos Suely, vestindo uma camiseta vermelha com aplicações de lantejoulas em prata e uma corrente dourada fixada que prende em um cinto com fivela dourada. Seu cabelo é uma peruca azul e a máscara que está usando é vermelha e amarela. As mãos estão com luvas brancas, e nas costas há presa uma capa prateada brilhosa. Sua expressão facial é um olhar alto, os lábios formam um bico e estão pintados de vermelho. O outro homem, ao lado direito da imagem, é Jô Soares, vestido no personagem de Capitão gay. Sua roupa é uma segunda pele rosa e por cima dela um collant preto. Fixado nele há presos dois colares de pérolas brancas e algemas rosa. Nas costas está usando uma capa preta com plumas na altura do pescoço e em seu rosto está usando uma máscara rosa com aplicações em lantejoulas. Em sua cabeça veste uma adorno com um “G” no centro e asas aos dois lados da cabeça. Sua expressão facial é séria e seu batom é preto.
Reforço do estereótipo
Durante o programa, para além das roupas essencialmente caricatas e representativas de um estereótipo incrustado no imaginário popular, como collant, calças legging e máscaras. Tudo essencialmente rosa e vermelho, com muitos acessórios em pérolas, plumas e brilhos. Capitão Gay (Jô Soares) e Carlos Suely (Eliezer Motta) surgiam para ajudar quem precisasse.
Quando apareciam, diziam, na voz de Jô Soares, “chegay”, “gay de alegria, gay de assumido, gay de super-herói”, sempre reforçando a orientação sexual antes de resolver os problemas para os quais eram chamados.
Para além das frases ditas pelo Capitão Gay, ao final do programa sempre uma música era entoada. A música dizia: “ele é o defensor das minorias (gay) / E é sempre contra as tiranias (gay) / É um avião, um passarinho sem rabicho?/ Ou se parece mais com outro bicho? / É o Capitão Gay/ Gay, Gay/ Capitão Gay!”.

Créditos: Revista VEJA
#ParaTodosVerem – Na imagem acima temos Jô Soares, vestido no personagem de Capitão gay. Sua roupa é uma segunda pele rosa e por cima dela um collant preto. Fixado nele há presos dois colares de pérolas brancas e algemas rosa. Nas costas está usando uma capa preta com plumas na altura do pescoço. Seu rosto é acompanhado por uma máscara rosa com aplicações em lantejoulas. Em sua cabeça há um adorno com um “G” no centro e asas nos dois lados da cabeça. Sua expressão facial é séria e seu batom é preto.
Chico Anysio Show
O programa estrelado por Chico Anysio na Rede Globo nos anos 90, assim como Capitão Gay, de Jô Soares, também tinha um personagem que seguia o padrão do estereótipo homossexual. Haroldo, o Hétero Machão era caracterizado como um personal trainer que sempre tentava agir como um homem heterossexual, porém sem sucesso, já que em suas falas sempre deixava claro de uma forma ou de outra a sua orientação sexual.
#ParaTodosVerem – Na imagem acima temos Chico Anysio interpretando o personagem Haroldo. Ele está sentado à uma mesa redonda com alguns objetos em cima. O fundo da imagem é verde. Ele está vestido de camisa rosa com dourado nas mangas e uma calça marrom, além de um óculos de grau vermelho. O personagem está olhando para frente com as mãos na altura dos ombros e uma expressão facial de incômodo.
Reforço do estereótipo
Conforme o programa desenvolvia, Haroldo mostrava, através de suas expressões corporais, entonação de voz e roupas essencialmente significativas, um homem feminilizado.
Outro reforço do homem gay enquanto entretenimento para os espectadores é a comicidade do personagem na tentativa constante de Haroldo se desvencilhar de seu codinome “Luana”, sempre lembrado por um amiga nos programas.
Fazendo jus ao seu nome – Haroldo o Hétero Machão, durante os episódios falava frases como “agora sou hétero, garanhão, espadão”. Para reforçar também a sexualidade da qual não queria mais ser lembrado. O personagem dá em cima das mulheres de uma forma forçada, dizendo por exemplo “Agora sou hétero. Mordo você todinha“.
De lá para cá
Nos anos 80 e 90, pouco se discutia criticamente sobre as representações homossexuais na televisão brasileira. Os personagens retratados sempre seguiam um padrão de que a sociedade acreditava ser o sinônimo dessa orientação sexual.
A homossexualidade não era motivo de respeito, mas sim de chacota e entretenimento. As famílias se sentavam no sofá para darem risada de dois homens que salvavam o país de problemas, mas que se vestiam com collant, capa brilhosa, plumas e pérolas. Também se reuniam para dar risada dos trocadilhos de um homem que tentava a todo custo ser “machão”, como é estabelecido no imaginário popular.
Essas representações foram se adaptando com o tempo. Embora já existam personagens homossexuais que fogem do padrão estereotipado, há outros que são ainda o alívio cômico de uma dramaturgia. Um exemplo de figura estereotipada, já longe dos anos 80 e 90,é Crodoaldo Valério, personagem de Marcelo Serrado na novela Fina Estampa, transmitida em 2011 pela Rede Globo.
Estereotipado como submisso a sua patroa, com frases marcantes, cheias de referências culturais e cômicas como “estou passado e engomado” ou “minha Santa Madona de La Isla Bonita”, o personagem sempre era caracterizado como escandaloso diante de uma fofoca. Além disso, o tratamento que recebia vinha com comentários ofensivos fazendo referência a ele como “bicha”, por exemplo.
Para contribuir com todas essas representações, vestia com roupas sempre de cores claras como o rosa e tons pasteis, bermudas mais curtas do que o usual, além de acessórios sempre chamativos, como óculos coloridos e estampados.
#ParaTodosVerem – A fotografia acima é composta por três imagens colocadas lado a lado. Todas trazem em si o personagem Crodoaldo Valério, de Marcelo Cerrado. Na primeira imagem ele está com uma mão na cintura e outra na perna direita. Usa uma camisa azul, calça, cinto e relógio brancos e um óculos verde limão. A segunda imagem temos o mesmo homem vestido no personagem, agora sentado em um banco de madeira. Ele está usando shorts em tom cru curto, camiseta rosa claro e um óculos laranjado. Em seu colo há um cachorro. Na terceira imagem, com a mesma roupa, Crodoaldo Valério está de pé em uma rua com uma mão na cintura e outra na barriga. Ao fundo há um carro branco.
A problemática de representar um grupo de forma caricata
Como bem se sabe, as pessoas heteronormativas são plurais em aparência, jeitos de agir e vestir. O mesmo acontece com os homossexuais que, embora não fossem e ainda não são representados em sua totalidade como deveriam (equivalente às pessoas heterossexuais), acabam por serem estereotipados no imaginário popular.
É preciso levar em consideração que as visões sobre o mundo são enviesadas, principalmente pela estrutura cultural televisiva. As representações caricatas e em forma de chacota acabam tornando normal a ideia de que homossexuais são, fora da ficção, exatamente como os personagens que atuavam e ainda atuam em programas de humor, novelas e filmes.
A limitação enquanto conhecimento e representatividade faz com que essas pessoas se tornem invisíveis na sociedade quando são e agem diferente do que é posto na ficção. Acabam, assim, por serem vítimas de crenças limitantes como: de serem indignas de viver para além da caricatura representada, sendo pais, mães, professores, doutores, e quaisquer outras possibilidades de (re)existência.
#ParaTodosVerem Imagem de capa – A montagem de capa traz os personagens Capitão Gay, de Jô Soares e Haroldo, o hétero, de Chico Anysio. Ao lado de cada um dos personagens há a imagem de capa dos respectivos programas, sendo “Viva o gordo” e “Chico Anysio Show”.
Referências
Personagens homossexuais nas telenovelas da Rede Globo: criminosos, afetados e heterossexualizados