O Brasil é o celeiro do mundo, diz a lenda. O agro é pop, reza a mídia corporativa. Lenda essa em grande parte inventada pelos interessados que isso fosse verdade. Até isso pode ser considerado fake news, histórica é verdade, mas ainda sim uma “verdade” mentirosa, estamos em terceiro neste ranking, com China e EUA à nossa frente. Obtemos essa colocação graças às exportações de soja e milho, essas sim nos dão o campeonato mundial, mas em relação ao montante da produção agrícola, não, a medalha de bronze é nosso consolo. Olha só, esse texto até parece um lamento ufanista pela nossa situação de terceiro celeiro do mundo, mas não é. Levantei essa bola para pensarmos nas implicações diretas/indiretas disto. O Brasil como exportador de alimentos, grande produtor rural, pátria do agronegócio etc e tal, também é um dos maiores consumidores de agrotóxicos de todo o planeta.

Os chamados “defensivos agrícolas” de 2017 têm batido recordes em termos de registro autorizados pelos órgãos competentes. Uma média de 400 novos agrotóxicos tem sido autorizados anualmente, sendo que em 2021 foram 500 novos produtos deste tipo autorizados a serem utilizados no agronegócio nacional. Destes todos o glifosato é o mais comercializado no país, devido a suas características de amplo espectro herbicida, ou seja, atua em todos os tipos de ervas daninhas, livrando somente a soja, transgênica, de seus efeitos. Assim, a semente da soja geneticamente modificada tem um fator de redução da ação do glifosato permitindo que sobreviva ao uso do composto químico.

Já existem vários estudos que mostraram o impacto do glifosato na saúde humana, e mesmo como causador de mortes, muitas delas infantis, por todo o país.. Os produtores agrícolas brasileiros utilizam milhares de toneladas do herbicida anualmente, ultrapassando, em muito, o consumo do mesmo produto em outros países. O Brasil também é permissivo em relação à quantidade de glifosato na água. A União Europeia estabeleceu que em um litro de água só pode haver 0.1 micrograma de glifosato, no Brasil podemos ter até 500 microgramas! Não preciso encher vocês de dados e porcentagem, a ideia já foi passada, nadamos, comemos, bebemos, respiramos agrotóxicos, o glifosato é apenas um exemplo, o maior é claro, mas inserido num universo de milhares de outros “defensivos agrícolas”.

Um outro capítulo dessa história foi a aprovação recente pelos deputados federais do chamado “PL do Veneno”. Em termos gerais, o projeto de lei agilizaria a autorização para o uso de novos agrotóxicos, em termos exatos, quer esconder de nós a festa do veneno que ela promove. Primeiro, por tentar amenizar o uso da palavra agrotóxico, passando a ser “pesticida”, “produtos de controle ambiental” e por aí vai. Em segundo, temos uma pretensa proposta de modernização da agricultura brasileira, com a adoção rápida de “tecnologias” de aumento da produtividade. Ora, aumentamos a produção agrícola, talvez até mesmo atingiremos o tão sonhado primeiro lugar no mundo, mas a qual custo? Essa é fácil de vidas humanas e não-humanas, pois estes últimos sofrem o impacto da utilização desses produtos. No final da década de 1950 uma cientista estadunidense, Rachel Carson, comprovou que o uso dos DDT, um agrotóxico, estava causando a morte de pássaros, abelhas e outros seres não-humanos, numa devastação sem precedentes, tanto que intitulou seu livro de “Primavera Silenciosa”, leiam, indispensável nos dias de hoje.

Por fim, é indispensável também dizer que não é qualquer vida humana que sofre os impactos do uso de agrotóxicos. Aí temos uma reprodução do sistema econômico mundial, mais especificamente, de sua forma de funcionamento e dominação. Primeiro, são as populações dos países no Sul global que sofrem com o maior quantidade de intoxicação, devido ao uso excessivo e das más condições sanitárias etc…, lembrando que parte dessa produção agrícola depois é remetida para o Norte global, consumidor indireto dos agrotóxicos. Em segundo, nestes países do Sul global, Brasil entre eles, temos nova divisão da intoxicação, os que mais sofrem são os trabalhadores rurais e as populações pobres das grandes cidades, tanto pelo contato direto quanto pela necessidade de consumo de alimentos não tão saudáveis assim, ainda que tenham água potável para fazer a higienização a probabilidade de estar também contaminada é grande. A agroecologia poderia ser uma solução para este problema, mas está muito longe dos pratos da grande massa populacional de todo mundo, e não é pop o suficiente para entrar nas campanhas eleitorais majoritárias e nas mídias corporativas. O veneno está em todo lugar, alguns lugares mais presente que outros.