O filme Don´t Look Up foi uma febre mundial na virada do ano. O enredo é simples e até mesmo pode ser considerado bobo demais. Astrônomos estadunidenses identificam um meteoro que estaria em rota de colisão com nosso planetinha, e aí? O que fizeram? O óbvio! Avisaram as autoridades, NASA, Pentágono e a Casa Branca. Resultado? Foram ignorados, pelo fato que era incerto que o meteoro chegaria realmente ao planeta e se chegasse quais seriam os impactos. Então, começam uma campanha para que as pessoas não olhassem para cima, não vendo assim a chegada iminente do meteoro.
O que definiu as ações das autoridades no filme foi o negacionismo, mas particularmente a ideia do “e daí? Não é meu problema isso”, ou mesmo “não é responsabilidade nossa, temos que resolver o problema da economia”. Os fatos científicos eram irrefutáveis, as decisões políticas eram diversionistas, não admitiam a realidade, pois não condizia com aquilo que professavam. Mas isso não acontece todo o dia em nosso país?
O interessante do filme é que ele aponta metaforicamente para uma situação que vem se desenrolando há décadas e cuja solução, embora conhecida, nunca é alcançada: as mudanças climáticas (ou mesmo todos os problemas ambientais que precisamos lidar). A resposta a isso é um grande acordo global de redução ou mesmo eliminação das emissões de poluentes que contribuem para o efeito estufa. Esse pacto ocorreu em diversas ocasiões – Rio de Janeiro/92, Kioto/97, Paris/15 e recentemente em Glasgow/21 – com consequências praticamente nulas para a diminuição do impacto das mudanças climáticas. Ninguém tem olhado para cima, para a atmosfera do planeta.
Olhar pra cima é necessário. Mas não apenas para cima. Claro que as mudanças climáticas podem representar um futuro tenebroso para toda a humanidade e para os não-humanos também. Acontece que temos também muitos problemas que nos cercam e que não estamos dando a devida atenção, tanto ambientais quanto humanitários. Meio ambiente e humanidade não podem ser dissociados, ainda mais quando vivemos sob o regime do capital e é o capitalismo que determina as relações que são estabelecidas de produção e consumo. Aí que está o problema.
O capitalismo em sua configuração atual é predatório e suicida, atenta contra os aspectos básicos da sobrevivência humana, cria condições de vida que não condizem com a capacidade do planeta, nos leva para um abismo. A forma de produção e consumo em larga escala retira uma enorme quantidade de recursos naturais, para proveito de poucos, para a sobrevivência mínima de muitos e na manutenção da miséria da maioria. Precisamos olhar para todos os lados. Insistir nesse ponto é importante, não são apenas as minhas ações, individuais, que irão corrigir o problema. Ao contrário do filme, dois cientistas não resolveram a situação. Isso é algo sistêmico, as mudanças devem ser profundas e até mesmo dolorosas (para alguns).
Um rápido passar de olhar a nossa volta e percebemos que precisamos encontrar um novo caminho de sociabilização, da economia, da política e de nossa relação com o meio ambiente. No início do ano tivemos intensas chuvas por todo o Brasil, mas na Bahia, Minas Gerais e São Paulo a intensidade foi tanta que tivemos enchentes e mortes, muitas cidades ilhadas, falta de alimentos e condições básicas de sobrevivência. Recentemente, duas mortes (entre tantas e tantas) mostram nosso nível avançado de civilização. A primeira de um fotógrafo na França, ignorado por mais de 9 horas ao cair na rua, morreu congelado. A segunda tragédia típica de um país racista como o nosso, o imigrante congolês, Moises Kabagambe, espancado até a morte após cobrar seu salário. A falta de humanidade que nos cerca leva ao futuro ambiental que está em nosso horizonte. Olhem para todos os lados!