“O que é Jornalismo” é o título do livro de autoria do jornalista Clóvis Rossi, que morreu em 2019. A obra expõe a complexidade que envolve essa área da Comunicação apresentando fatos históricos, mudanças pelas quais essa atividade já passou no Brasil e indicando o que ele considera importante para o exercício da profissão.

Muito próximo da proposta de Rossi está o filme “A Crônica Francesa” (The French Dispatch), lançado em novembro de 2021. A produção conta as histórias das três últimas reportagens de um jornal americano em uma pequena cidade fictícia da França. A obra é apontada como uma “carta de amor aos jornalistas” e ao relacioná-la ao livro de Rossi o motivo fica mais claro.

Logo no início do longa, o narrador diz que o proprietário do jornal, Arthur Howitzer Jr. (Bill Murray), mimava seus empregados. No decorrer da obra se entende o motivo da afirmação: ele possibilitava muita liberdade criativa.

Começando pelas pautas. Aos que não sabem, elas são orientações aos jornalistas, informações para auxiliar na construção de uma notícia/reportagem, como por exemplo indicações de com quem falar, onde ir e que tipo de abordagem o jornal espera. Entretanto, Rossi aponta que a pauta passou de um guia para “uma espécie de Bíblia, ocasionando distorções e limitações ao trabalho jornalístico”¹. 

Porém, no filme, ao que parece as pautas são tratadas como o que devem ser, um guia. Assim sendo, a eles era concedida a liberdade de como abordar os assuntos.

Outra forma de liberdade é com relação às edições das publicações. Normalmente uma matéria passa por muitas adequações que são tanto de forma como de conteúdo. Como aponta Rossi no livro, “desde a pauta até a edição final”¹. No filme, as interferências do chefe, que também é o editor-chefe, são muito mais brandas, parecendo mais dicas ou pequenas alterações no número de palavras.

Por esse tipo de edição também se percebe outra característica do jornal de A Crônica Francesa: a não padronização estética de suas reportagens. Há diversos esforços em veículos de comunicação jornalística para uniformizar os textos que publicam. Alguns grandes jornais, inclusive, possuem manuais de redação.

Rossi explica que por causa do crescimento do volume de informações e para ajustar os textos dentro dos padrões dos jornais, a função do copidesque foi importada do jornalismo estrangeiro.

O próprio lide/lead, a abertura de uma notícia que é constituída da resposta de seis perguntas: quem, onde, como, quando, o que e por quê, é, como Rossi aponta, uma forma que muitas vezes acaba engessando as matérias. O que era para apenas conduzir acaba se tornando uma regra. Já no filme, se vê que isso não ocorre.

Todas essas observações sobre o funcionamento do jornal de A Crônica Francesa leva a um aspecto importante, talvez o mais significativo para fazer desse filme uma carta de amor para os jornalistas: a preservação do estilo individual de cada profissional.

Vamos a um exemplo de reportagem do filme, para ver como um estilo pode alterar a produção de uma matéria. Um dos jornalistas foi designado para fazer a cobertura sobre a culinária de um famoso chef de cozinha que trabalhava para a polícia. Porém, na abordagem relatou como o chef conseguiu ajudar os policiais em um sequestro por meio dos diversos sabores de sua comida.

Em uma situação comum, seria apenas falar da comida, dos sabores e assim por diante. No entanto, os personagens de A Crônica Francesa preferem seguir por caminhos, no mínimo criativos, trazendo às suas reportagens um estilo exótico se comparado às produções tradicionais da imprensa.

A realidade do jornalismo cotidiano é diferente da apresentada pelo filme ou da idealizada parcialmente em  “O que é Jornalismo”, de Clóvis Rossi. O autor aponta que o esquematismo exagerado que muitas redações impõem pode afetar o estilo pessoal e transformar os jornalistas em profissionais especialistas na técnica de produzir lide.

Seja como for, resta aos idealistas apreciarem tanto o longa de Wes Anderson quanto o livro de Rossi, que são excelentes obras para se conferir, principalmente se você leitor se interessar por jornalismo.

ParaTodosVerem – Imagem horizontal de um frame de A Crônica Francesa. A imagem é do interior de um escritório onda há varias pessoas, todas vestidas com roupas de época sentadas no sofá e cadeiras.

Fonte:

¹ROSSI, C. O Que é Jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980.