No início do mês de novembro, mais precisamente em um sábado, dia 08, a Associação Nenhuma A Menos Maringá, coletivo feminista que luta contra o feminicídio, fez um protesto em colaboração com outras associações feministas por todo Brasil indagando e exigindo uma resposta contra a cruel decisão judicial do caso bárbaro de estupro da jovem Mariana Ferrer.

Obs: Para quem não acompanhou o caso, após a entrevista, neste mesmo post, colocamos um breve resumo sobre.

 

Foto do ato do dia 08 por Breno Thomé Ortega

Foto do ato do dia 08 por Breno Thomé Ortega

O ato aconteceu às 15h, em frente ao Fórum de Maringá, lugar escolhido para simbolizar a omissão do Judiciário brasileiro e a perpetuação da cultura de estupro e de culpabilização da vítima em todas as instâncias de justiça, que ao invés de oferecer suporte para mulheres violentadas, acabam por violentá-las mais uma vez.

Conversamos com as representantes da Associação Nenhuma a Menos (NaM), para entender um pouco melhor a história do coletivo, a construção da luta diária, e por fim, saber como mais mulheres podem se juntar à causa. Confira a baixo a entrevista:

Comunica: Olhando para a história de vocês, vimos que a associação nasceu a partir da revolta com um outro caso de violência contra mulher, o feminicídio de Magó.

Como a associação começou? Como as participantes se encontraram e qual foi o pontapé decisivo para vocês darem o primeiro passo como Nenhuma A Menos?

NaM: “Com o feminicídio da Magó, um grupo de mulheres se reuniu para fazer uma passeata, um Ato! Algumas dessas mulheres eram amigas próximas da Magó, outras conheciam de vista, outras nunca falaram com ela. A reunião foi espontânea, o sentimento de tristeza, revolta e insegurança foi comum a todas. Magó é semente! Nós, mulheres, somos sementes! Quando uma se vai, vai um pedacinho nosso junto.

Mas toda vez que uma mulher se levanta contra o Machismo, o Feminicídio, a Violência, renascemos e nos fortalecemos.

O grito Nenhuma a Menos, nasceu nos ensaios da coreografia do hino chileno El Violador és Tú, o estuprador é você!!! Em meio a passeata ele foi gritado dezenas de vezes.

Após o Ato, algumas dessas mulheres presentes na organização, chegaram a conclusão de que poderia ser criada uma Associação, com intuito de combater a Violência contra Mulher, o Feminicídio, o Machismo e o Patriarcado. Ser suporte para tantas mulheres que são negligenciadas pelo sistema.

Assim nasce a NaM e a Rede de Acolhimento, que conta com profissionais do Direito, da Psicologia e da Assistência Social, que presta auxílio às mulheres em vulnerabilidade.

Ainda contamos com algumas dezenas de voluntárias das mais diversas áreas que prestam ajuda no acolhimento de mulheres, na captação de recursos e doações e nas redes sociais.

“A NaM nasce de Magó!”

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Foto do ato #MagoPresente por Breno Thomé Ortega

Comunica: Aproveitando o clima político após o resultado das eleições municipais de Maringá, como vocês entendem a relação da luta das mulheres com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária? Qual a importância de termos mulheres nos cargos públicos como representante do povo?

NaM: A política é feita por homens e para os homens. Homens brancos, cisgênero, héteros.

O resultado disso é a negligência do sistema. É essa sociedade desigual. Uma sociedade machista, racista, preconceituosa e Lgbtfóbica. Não nos falta apenas a representatividade de mulheres, também nos falta a representatividade das pessoas negras, das pessoas LGBTQIA+.

A representatividade permeia pelo local de vivência e o ponto de observação.

O feminismo é transversal, nós mulheres somos diversas e experienciamos diversos atravessamentos. Algumas de nossas vivências são comuns, outras peculiares.

Em níveis distintos, variando de acordo com a nossa raça, nosso poder sócio econômico, nossa orientação sexual, nossa identidade de gênero, a performance ou não da feminilidade, o padrão estético entre tantos outras pontuações.

Toda vez que uma mulher se opõe contra o Machismo ela está sendo feminista. Contra o feminicídio. Contra a desigualdade social. Contra o Patriarcado. Contra as injustiças, ela está sendo feminista. Ainda que não saiba ou não queira, ela está sendo feminista.”

 

Comunica: Agora, para podermos entender melhor as ações de vocês, como vocês funcionam como associação? Existem reuniões mensais, semanais? E caso alguém tenha interesse de participar e se juntar ao movimento, como ocorre esse contato?

NaM: “Com a pandemia, nosso processo de regularização sofreu um adiamento.

Direcionamos nossos esforços à Rede de Acolhimento que foi muito acionada durante a pandemia, em todas as suas áreas: psicológica, jurídica e sócio-assistencial.

Hoje contamos com 45 mulheres, e todas as nossas reuniões e decisões são realizadas por meio virtual, variando a frequência conforme a necessidade. A nossa comunicação é bem fluída entre todas as associadas.

Até o momento já realizamos em torno de 100 atendimentos pela Rede de Acolhimento. Através de parcerias doamos

mais de 170 cestas básicas e aproximadamente 1 tonelada de alimentos orgânicos. Cerca de 50 kits de higiene, 500 máscaras reutilizáveis, além de medicações para algumas famílias.

Nosso trabalho só é possível graças ao voluntariado e as parcerias que estabelecemos. O objetivo é finalizar nossa regularização e imediatamente após isso, abrir para novas associadas e expandir nossa Rede de Acolhimento.”

 

Para quem não acompanhou o caso: Mariana Ferrer acusa o empresário André de Camargo Aranha de crime de estupro em dezembro de 2018, quando a jovem tinha 21 anos e era virgem. De acordo com as alegações, Mariana foi levada pelo acusado André Aranha para um camarim privado, durante uma festa em um beach club em Jurerê Internacional, em Florianópolis.

As imagens mostram a vítima entrando no camarim com o acusado, e depois deixando o local sozinha. A acusação suspeita que a menina foi dopada e que, por isso, não lembra de muita coisa e não sabe dizer com clareza o que aconteceu. Foram encontradas na roupa da jovem  sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico de Mariana não constatou o consumo de álcool ou drogas.

Em depoimento, André Aranha alega só ter feito sexo oral na vítima, e que tudo foi consentido. A defesa do empresário nega que ouve estupro.

Já o inquérito policial realizado concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável, que é quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. A partir desse resultado, o Ministério Público denunciou o empresário à Justiça.

Qual a opinião de especialistas sobre o laudo tóxicológico?

Muitos especialistas, como a delegada Laryssa Neves que comentou sobre o caso em seu IGTV, explica que existem inúmeras drogas que saem do corpo da vítima em um período de tempo curto, e novas drogas sendo criadas todos os dias das quais não temos conhecimento sobre seus efeitos e duração no corpo. Por isso, para delegada, o fato do exame toxicológico de Mariana não constatar uso de entorpecentes, não significa que realmente não houve.

Qual foi o entendimento da justiça?

O processo correu em segredo de justiça, e o entendimento final do promotor do caso foi o de que o empresário não teria condições de saber que Mariana não estava apta a dar consentimento à relação sexual, concluindo que não ouve o dolo, ou seja, que não ouve a intenção de estuprar. O réu foi absolvido.

O que causou tanta revolta, para além da decisão esdrúxula?

Após a decisão ser tomada e vir a público, um vídeo gravado durante a audiência do caso mostra alguns dos “argumentos” levantados pelo advogado de defesa do empresário André Aranha,  Cláudio Gastão da Rosa Filho, para inocentar seu cliente. Uma das “estratégias” do advogado foi a exibição de fotos caracterizando-as como “ginecológicas”, afirmando ainda que “jamais teria uma filha “do nível” de Mariana.

Ao perceber que a vítima estava chorando, Claudio Rosa Filho dispara falas como: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo.” O que leva a vítima a pedir por respeito: “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?” (fala de Mariana).