Quantas vezes você já viu o termo nerd relacionado a algo ruim? Certamente já teve um certo medo de ser chamado assim na infância. Será que a coisa mudou de figura?

Hoje em dia, ser nerd virou motivo de orgulho, inclusive, tendo um lugar especial no calendário. 25 de maio, é conhecido como Dia do Orgulho Nerd. É uma iniciativa que pretende defender o jeito nerd ou geek de ser. Ao redor do globo, são realizados eventos e competições de todos os estilos: de cosplay, de dança, de k-pop, além de palestras, painéis de filme e séries e museus. É o dia de estreia de “Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança”, em 1977, ícone da cultura nerd. Também se comemora o Dia da Toalha, uma referência à série de Douglas Adams, “Guia do Mochileiro das Galáxias”, um guia que apresenta dicas para viagens espaciais e que nos informa que é essencial para um mochileiro estar sempre carregando uma toalha.

Backstage de "Star Wars Episódio IV: UmaNova Esperança"/Divulgação Lucasfilm

Backstage de “Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança”/ Divulgação: Lucasfilm.

A ideia surgiu após a estreia da série da “The Big Bang Theory”, exibida pelo canal da Warner no Brasil. A sitcom apresenta o dia a dia de um grupo de 4 nerds, que trabalham nos departamentos de física e engenharia do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Canaltech). A série acaba por quebrar alguns estereótipos, ao mostrar personagens com vida social ativa e relacionamentos amorosos. Ela foi super bem recebida pelo público e tem fãs em todo o mundo que se identificam com os personagens. Inclusive, grandes pesquisadores brasileiros.

Mas as coisas nem sempre foram assim. Por décadas, ser nerd era realmente considerado uma ofensa por muitos.

Tendo sua origem etimológica incerta, a palavra “nerd” se popularizou na década de 1950 nos Estados Unidos da América, e teve como seu significado primário expressar estranheza a pessoas ou coisas bizarras ou fora do comum. O termo passou por um refinamento e se espalhou pelo mundo com uma conotação mais leve, mas que mesmo assim era usada de forma pejorativa, para se referir aos jovens que estudavam demais, falavam sobre as ciências de forma apaixonada e seus costumes envolviam ler e jogar videogames. O conceito mudou pouco através do tempo, mas ajudou a criar novas terminologias que abrangeram um público maior de adeptos deste universo, retirando, inclusive, certa parte da conotação negativa do termo.

O primeiro uso da palavra surgiu como um nome de personagem de um livro infantil chamado “If I Ran the Zoo”, de Theodor Seuss Geisel, mais conhecido como Dr. Seuss, de 1950. Mais tarde, em 1951, a revista Newsweek publicou uma matéria que falava sobre os hábitos dos jovens americanos e nesta pesquisa já constava a utilização do termo em questão como forma de descrever pessoas “quadradas”. A partir daí, várias outras referências começaram a utilizar a palavra para se referir aos jovens “esquisitões”. A difusão desta terminologia foi ampla e acelerada, uma vez que utilizar estereótipos para classificar as pessoas é quase que uma necessidade humana.

Durante muito tempo, os nerds sofreram com o teor pejorativo desta palavra e muita gente tinha medo de ser chamado desta maneira, evitando comportamentos que pudessem fazer parte desta caracterização, como alcançar notas excelentes, passar tempos lendo livros sobre universos fictícios ou teorias científicas, jogar videogames, utilizar determinadas roupas, entre outras coisas.

O ComunicaUEM entrou em contato com personalidades do Youtube que criam conteúdos para esse público.  Amy Roviller, Vinícius Souza e Fabiano Naspolini de Oliveira, criadores dos canais 10safiantesMelted e  “Fábrica de Jogos, respectivamente, para exprimir suas opiniões sobre o assunto.

Antigamente, inclusive em séries, ser nerd e geek era visto como algo ‘não legal’. Se você quisesse ser descolado, não podia fazer parte disso”, diz Roviller.

Com o passar do tempo, mais especificamente depois dos anos 2000 e com a grande produção recente de filmes, séries e animações voltadas para os personagens fictícios — sobretudo os super-heróis — o conceito de nerd ganhou perspectivas mais felizes. “As pessoas que curtiam antigamente eram vistas mais como ‘fora de série’, como alguém que a população geral não curtia. Hoje é muito mais comum a galera toda curtir esse tipo de conteúdo. Com certeza vai mudar mais para frente”, comenta Vinícius “Melted” Souza.

Antigamente, se você falasse que era nerd/geek, você era um loser. Eu mesmo tinha que esconder certos gostos nerds meus na escola para não ser taxado ou excluído pelas pessoas, piadinhas e outros. Hoje não. Talvez com a ascensão do mundo nerd em diversas mídias (hoje olha quanto filme de super-herói há e pessoas que nem são nerds/geeks enchem cinemas) e figuras na tecnologia da informação (taxada de nerd por tabela como Marc, Steve, Bill e muitos outros) ganhando importância na economia… Viram que ser nerd pode ser bem legal. Nem que seja financeiramente só”, comenta Fabiano de Oliveira, professor e game designer há mais de nove anos. Como vimos, o termo também se popularizou graças à sua importância econômica: seja na comercialização de produtos ou até mesmo no desenvolvimento tecnológico ou científico, e também demonstra grande crescimento pela alta procura por esse tipo de conteúdo.  “Hoje em dia, cada vez mais pessoas estão incluídas nesse meio, amando cada vez mais e crescendo cada vez. O mais legal é ver o investimento na área, seja com filmes, séries, eventos, jogos, qualquer coisa. Faz nos sentir pela primeira vez os caras legais, se é que me entende”, diz Amy.

Mas, seja qual for a motivação por trás do nerd, é fato que uma grande parcela da produção de conteúdo tem investido fortemente neste universo e isto colabora tanto para a economia (como mencionado anteriormente) quanto para o sentimento de identificação por parte dos envolvidos. “O conteúdo geek e nerd é importante pois ele nos faz sentir incluídos em um meio, em um grupo de loucura e gostos semelhantes ao nosso. A sociedade em si é cheia de problemas, diferenças e afins. Mas quando estamos próximos daqueles que dividem o mesmo amor por esse universo, isso tudo desaparece, pois sentimos que pertencemos a algum lugar”, diz Amy.

A situação do nerd realmente melhorou do passado para o presente, e isso nos leva a questionar sobre este conceito num futuro que se encaminha cada vez mais para uma realidade mais tecnológica. Hoje, o termo nerd divide espaço com os geeks, os gamers, os cinéfilos, bookworms, etc. Embora não sejam a mesma coisa, estes nomes estão muito entrelaçados e criam uma comunidade cada vez maior, principalmente quando se trata de algo que faça as pessoas a lidar com os problemas da vida real nem que seja por uma uma ou duas horas.

Para saber mais sobre as motivações perfis, conversamos com Luis Claudio dos Santos, de 41 anos, responsável pela linha de action figures (termo em inglês para figuras colecionáveis), de uma distribuidora local.

Luis Cláudio e coleção de histórias em quadrinhos e mangás

Luis Cláudio e coleção de histórias em quadrinhos e mangás

“O momento é bem oportuno para investir nesse segmento de produto; todos os dias aumenta o número de fãs, seja de séries, filmes ou super-heróis. E com isso aumenta o público alvo consumidor, que deseja ter algo relacionado aos seus personagens favoritos.” afirma Luis.

Fazer parte do grupo nerd vai muito além de apenas gostar de videogames, ciência, tecnologia e histórias em quadrinhos. Também é um estilo de vida. Quantos amigos e colegas você já não ouviu falar que cresceu assistindo determinado filme ou série, e pensando bem sobre o assunto, você percebe que a pessoa até lembra um pouco aquele personagem principal? Isso acontece porque temos a tendência natural de copiar figuras que admiramos, seja alguém de nossa família ou personagem de um desenho. Sempre queremos seguir o nosso “modelo ideal” e isso não é necessariamente ruim. Estamos cercados por histórias repletas de dilemas entre bem e mal, certo ou errado, e quando crianças, sempre temos a preferência pelo herói, como observa dos Santos:

“Sempre fui fã dos super-heróis dos quadrinhos, mangás, animes e cartoons. A sensação de ir à outros mundos e realizar grandes feitos heróicos acompanhando seus personagens, me seduzia desde criança. Isso com certeza influenciou no meu desenvolvimento. Noções de respeito, cooperação e preocupação com o próximo sempre estiveram presente nas aventuras dos heróis.”

E as crianças de hoje em dia estão começando a vivenciar isso, sem aquela pressão e medo de se sentirem deslocados. A indústria cinematográfica e as grandes empresas, vêm investindo pesado em adaptações e remakes de filmes antigos e heróis de quadrinhos, como no caso de Star Wars, Jurassic Park, e em breve, da heroína She-ra, como também o inegável sucesso dos Vingadores, aproximando cada vez mais o nerd e o popular.

“A cultura nerd não vai acabar, como o nome sugere é cultural, algo intrínseco ao ser humano. Sempre haverá quem vai lembrar de algo desta ou de outras épocas ou criar algo novo relacionado. Sempre existirão as adaptações, os remakes, e sempre haverá público para isso. A saturação vai ocorrer, a febre vai diminuir, mas os fãs estarão lá para manter aquecido o mercado. […] Com o Marketing correto e massivo que a Disney/Marvel usa, por exemplo, teremos muitos e muitos derivados e personagens até então desconhecidos explodindo em bilheteria e popularidade.” Luis finaliza.

O que será dessa cultura no futuro, ainda não somos capazes de saber, mas algo é certo: ela terá uma vida longa e próspera.