Em meio a quarentena do Covid-19, o Comunica se propôs a compreender as particularidades das diferentes realidades que se encontram durante o estado pandêmico que estamos passando. Para isso, buscaremos trazer entrevistas que evidenciem a quebra no pensar homogêneo sobre a quarentena, observando que os fatores como classe, gênero, raça, orientação sexual, etc., não deixam de compor o tecido social em momentos de crise, ao contrário, se agravam e se expressam mais nitidamente.

Em homenagem ao dia das mães, entendemos ser interessante iniciar com o tema: MATERNIDADE NA QUARENTENA. Conversamos com três mulheres que se prontificaram a nos ajudar nessa tarefa: Grazziela Borba, 45 anos, é advogada e mãe de duas filhas, Beatriz (20) e Laura (4). Greyce Myriam, 24 anos, é estudante de Comunicação e Multimeios – UEM e mãe do Theodoro (3). Isabella Angioletto, 27 anos, é fotógrafa e consultora de mídias sociais, mãe de duas meninas, Luna (5) e Clara (2).

foto isa 1Isabella, Luna e Clara

Adaptação da rotina

Para iniciarmos o bate-papo, perguntei a elas como costumava ser suas rotinas antes da pandemia.

Grazziela: Pela manhã trabalhava em casa, tive uma mudança de flexibilidade no trabalho por conta da filha caçula que está estudando meio período. Ficava de manhã em casa trabalhando e cuidando da Laura. Preparava o almoço, arrumava a Laura “pro” colégio e pelas tardes ia para o escritório para continuar a trabalhar.

Isabella: Na rotina com as meninas, a Clara ficava comigo de manhã e eu a levava para escola de bike umas 13:30, aí até mais ou menos umas 17h eu tinha o dia pra mim, pra resolver as minhas coisas, e dali a pouco o Augusto buscava as duas. Era isso, às 18/19h já começava a rotina banho, comida e cama, e eu ficava em função disso.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em abril de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a jornada média feminina (incluídos o trabalho, os afazeres domésticos e o cuidar dos filhos) ocupa 53,3 horas semanais. A jornada masculina fica, na média, em 50,2 horas por semana. A diferença média da jornada entre os sexos é de 3,1 horas semanais, e essa variação é chamada de dupla jornada feminina. Os dados explicitam somente em parte essa dupla jornada, mas há uma parcela grande que não consegue ser contabilizada, pois tomamos como natural e não entendemos como parte dela atividades básicas do cotidiano doméstico, que majoritariamente ficam a cargo da mulher, como, por exemplo, além de executar as coisas, o tempo gasto planejando o que há de ser feito, o que precisa ser comprado no mercado, qual será o cardápio do almoço de hoje…

Concluímos aqui que, apesar da crescente presença de mulheres no mercado de trabalho formal, com condições de remuneração e direitos trabalhistas, as mesmas não conseguem se desvincular do papel social de dona de casa e mães, o que muitas vezes gera uma sobrecarga.

Após a instauração da quarentena, como essas mães estão lidando com a rotina de dupla jornada em casa?

Greyce: Nos primeiros dias meu marido estava em casa e era mais tranquilo, mas agora eu que “to” cuidando dele (Theodoro), e no meu trabalho eu ganho por meta né, então alguns dias sou mais produtiva que outros, depende muito do humor dele. Enfim não é fácil, ele tem o tempo dele, e eu tenho uma carga horária pra cumprir, e muitas vezes eu tenho que trabalhar mais que minha carga horária para conseguir bater as metas do dia.

Grazziela: O trabalho ficou muito diferente, o volume aumentou consideravelmente na quarentena pelo regime do teletrabalho no judiciário. E a dificuldade de dar conta do trabalho o dia todo e ter que lidar com a criança de quatro anos, que por mais que você explique,  ela só tem quatro anos, e vê a mãe em casa e quer brincar com a mãe, quer colo, atenção, é complicado.

“Meu marido me ajuda, não é nem louco de não ajudar (risos)” – Isabella Angioletto

Com o fechamento do comércio e muitas outras atividades, boa parte dos trabalhos fora de casa foram transformados em teletrabalhos, e a separação do ambiente profissional com o ambiente doméstico foi perdida. Antes havia um tempo estipulado derivado do espaço físico (ex: escritório/casa) para a jornada de trabalho e para o “lazer”, agora temos apenas um espaço que corresponde aos dois momentos. Isso pode trazer dificuldade na realização de ambas as tarefas, principalmente quando se é mãe, pois não é possível dedicar seu foco total para o trabalho tendo uma criança para cuidar, nem é possível dedicar-se integralmente para criança por ter que cumprir as exigências do trabalho.

Com essa sobrecarga de afazeres e a dificuldade da divisão do tempo na quarentena, perguntamos as nossas entrevistadas como está sendo feita a repartição das atividades com os outros moradores da casa (trabalho doméstico, cuidado com as crianças…).

Isabella: Meu marido me ajuda, não é nem louco de não ajudar (risos), mentira ele é muito parceiro, as meninas piram nele. Brincar é mais ele porque chega uma hora que eu não aguento. Ele é “parceiraço” mesmo. Não posso deixar com a avó (que mora no mesmo terreno) porque ela voltou a trabalhar o dia todo, então a gente tem que ficar revezando (os dois trabalham juntos como fotógrafos). Cada dia estamos vendo como fazer.

Greyce: Minha cunhada me ajuda um pouco quando eu preciso muito, mas o Theodoro ainda não aprendeu a lidar muito bem com o primo que tem 3 anos de diferença. E meu marido está trabalhando o dia inteiro agora… Com os serviços domésticos a gente sempre dividiu tudo né, todo mundo faz um pouquinho de cada coisa. Com criança é mais complicado de manter as coisas organizadas, toda hora a gente tá fazendo alguma coisa, catando algum brinquedo, arrumando aqui e a li, mas é tudo bem divido, ninguém é sobrecarregado.

Grazziela: Ajudam, minha filha mais velha ajuda mais né? Tem mais paciência, ajuda bem mais. O pai ajuda, mas a paciência dele é curta. Tem horas que independente da ajuda dos dois, não adianta, o que a criança quer é a mãe. A distribuição com relação a limpeza da casa praticamente não existe, ela fica concentrada em mim; uma porque eu sou controladora, tenho dificuldade de delegar tarefa.

Crise econômica e situação financeira

Em consequência da crise sanitária, a crise econômica que já assolava o país desde 2008, agora se intensifica. O dólar hoje (09/05) chegou ao valor de 5,73 reais, um dos mais altos da história do país. A crise econômica mundial provocada pela pandemia do Covid-19 “entrará para a história como uma das piores que o mundo já experimentou”, discorre a secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena, em nota distribuída à imprensa.

O resultado de tudo isso mais o fechamento do comércio não essencial levou a uma diminuição do consumo. Muitas empresas precisaram fazer cortes no orçamento, incluindo em funcionários, e se adaptar ao momento presente. Trabalhadores autônomos que tiveram sua renda totalmente comprometidas e pessoas baixa renda cadastradas no Cadastro Único do Governo Federal estão recebendo do Estado um auxílio emergencial no valor de três parcelas de 600 (seiscentos) reais.

O país e sua economia viraram de cabeça para baixo, e como essas mães estão lidando com toda a crise ao terem de sustentar suas famílias? Perguntamos às nossas entrevistadas se elas tiveram algum desfalque na renda por conta da pandemia.

Isabella: Eu sou fotógrafa em um estúdio e todos os nossos projetos estão parados, não entra dinheiro. Eu dou umas oficinas de fotografia e estou dando elas desde de dezembro, agora “tô” tentando fazer uma versão online delas para tentar fazer uma graninha, e com consultorias online, eu revendo produtos, trabalho com Instagram desde 2013. Eu “tô” trabalhando com tudo que aparece, vou até vender pão (risos), sério mesmo, tá osso. Não conseguimos o auxílio do governo por conta de números de 2018, mas agora a situação mudou e a gente precisa muito. Meu companheiro tentou e estamos aguardando o dele.

Grazziela: Eu em particular não (não tive prejuízo), mas meu marido que é autônomo sim. A renda dele diminuiu de 30% a 40% mensal.

Greyce: Na verdade melhorou, porque quando começou meu marido estava em casa, e agora ele está trabalhando. Minha empresa não sofreu muito impacto por ser empresa de internet e telefonia, quando foi declarada a quarentena a empresa já providenciou computador para manter todos em casa, e não diminuíram nenhum auxílio e nem o salário, até o vale transporte agora eles estão dando em dinheiro para ajudar.

72686705_146099230033479_4760062598161456434_nGreyce e Theodoro

Educação e ensino EAD

O artigo 208, no inciso I da Constituição Federal brasileira garante “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;” e isso se mantém independente da quarentena, ou seja, com crianças de 4 anos a adolescentes de 17 anos, a matrícula em escolas é obrigatória, mesmo durante o período de isolamento social sem aulas presenciais.

Com isso, as escolas buscam se adaptar ao ensino à distância, tanto as públicas quanto as privadas, utilizando-se de aulas gravadas, atividades online, tarefas de casa, etc. Mas, sem um preparo anterior, uma vez que essa mudança foi repentina, é difícil dizer se estas medidas são efetivas no processo pedagógico do aluno e do professor. Para as mães é uma responsabilidade a mais, já que muitas vezes tais atividades necessitam da ajuda dos pais para que funcionem. Às nossas entrevistadas perguntamos se está havendo um suporte EAD da escola e se ele está sendo efetivo.

Isabella: Sim (estão oferecendo suporte), mas eu não quero nem saber disso, já tenho coisa pra me preocupar, não dou conta. Eles mandam atividades por whats (WhatsApp). Não faz sentido nenhum isso, ainda mais para crianças dessa idade.

Grazziela: Oferece suporte EAD, mas ela está numa idade que não tem como medir nem falar que vai ter um grande aproveitamento. A escola manda uma vez por semana atividades para imprimir, ela faz desenho, vê filme, faz recortes, é mais lúdico.

Greyce: Material didático que usam na escola, e por grupo do whats mandam uma atividade todo dia para ele fazer. Na idade dele é mais tranquilo porque não tem essa cobrança de aprendizagem. Tem dias que eu mesma não faço, tem coisas que eu acredito que dá pra trocar, faço as coisas mais do meu jeito.

A educação à distância, junto as novas tecnologias da comunicação, é um dos temas mais estudados atualmente na área de Pedagogia. Há muitas divergências no que se propõe entre os educadores e pesquisadores sobre ser efetivo e de qualidade para uma educação que não permita a presença física do aluno e do professor. Com a necessidade do isolamento social imediato, as medidas tomadas não puderam ser estruturadas com tempo e efetividade, e o que as crianças e adolescentes estão experimentando é sem precedentes, consequentemente o que os pais estão enfrentando junto também.

75349234_155733459078835_1437018639898103046_nGrazziela e Laura

O psicológico

Muito se foi conversado nas entrevistas sobre as consequências do isolamento social na vida prática das mães, mas como todo ser humano (porque elas não são super-heroínas), seu estado emocional não consegue sair intacto desta situação extrema.

“Eu tento não ficar me analisando sabe, eu nunca fui numa psicóloga, mas depois dessa quarentena acho que vou precisar começar” – Greyce Myriam

Estudos na área indicam efeitos psicológicos negativos como sintomas de estresse pós-traumático, sintomas depressivos, tristeza, abuso de substância, estado confusional e irritabilidade, derivado do estado de quarentena em si. Isso implica modificações na rotina e limitação da mobilidade, a preocupação do prolongamento desse estado de quarentena, o medo de infecções, frustração, informação limitada, perdas financeiras e a sensação de impotência.

Todos esses sintomas e fatores em conjunto com a maternidade podem causar uma verdadeira bagunça no estado psicológico de quem vive essa realidade. Os relatos das mães entrevistadas não fugiram muito do que os estudos indicam.

Comunica: Como você está sentindo que seu emocional está lidando com tudo isso?

Grazziela: Altamente estressante, o que me ajuda é que eu faço terapia a cada 15 dias e mais do que nunca minha psicóloga tem sido fundamental e está me mantendo no eixo.

Isabella: Surtada. Para ajudar umas TPM loucas. “Tá” pesado, pesadíssimo. Eu ia começar a ir num psicólogo antes de tudo isso, achei que ia ter tempo e não “tô” tendo, não tem nem lugar para sentar aqui em casa para fazer terapia online. E não adianta ficar em negação “tenho que ficar bem”, não, não é o momento de ficar bem, não tem como a gente querer tudo lindo, acho que quem tá fazendo isso é bem fora da casinha.

Greyce: Eu tento não ficar me analisando sabe, eu nunca fui numa psicóloga, mas depois dessa quarentena acho que vou precisar começar, porque tem coisas dentro de mim que eu não consigo entender o que eu “tô” sentido. Ao mesmo tempo que eu quero aproveitar esse momento, eu fico confusa, triste, é mais uma confusão que eu estou sentido por muita coisa estar acontecendo ao mesmo tempo. Sou muito intensa pra tudo, ao mesmo tempo que tento ignorar tudo. E com certeza vou procurar uma psicóloga depois disso, pois é o ápice de todos meus sentimentos.

Muitas vezes, para aliviar o estresse e a contínua sensação de que não temos as coisas em controle, é mais que importante tirarmos tempo para nós mesmas, conseguir colocar a nossa cabeça no lugar, relaxar e desligar do mundo de fora. Perguntamos às mães se elas estão tendo esse tempo.

Grazziela: Não tenho tempo e não tenho disposição, porque eu estou muito cansada e na hora que vejo eu estou tomada. Se eu não estou trabalhando eu estou cuidando da casa, se eu não estou cuidando da casa eu estou cuidando da filha, ou então estou dormindo.

Greyce: Sim, estou tendo um pouco mais de tempo para mim também, antes eu fazia tudo na correria, agora tem dia que eu falo “ah não eu vou dormir mais um pouquinho”, essa tragédia acabou trazendo umas coisas novas para minha vida que eu não tinha tempo. Agora eu “tô” aproveitando mais a minha relação com o Theodoro, que é uma coisa que antes eu fazia muito pouco, meu foco é ele.

Isabella: Eu falei que ia soltar dicas (no Instagram), e eu não “tô” conseguindo. Bateu mesmo a “bad”, eu estou bem desanimada, e rolou um monte de unfollow de gente cobrando conteúdo. Eu não “tô” bem, não é o momento de pregar produtividade, eu acho bizarro. É claro que se eu não tivesse filhos eu ia estar pintando a casa, dando estrelinha com o computador na mão, lendo um livro sabe? Mas eu não tenho tempo, eu tenho trampo atrasado. Se o dia tivesse 72h eu não teria tempo. Eu fico de cara com essa galera “aí agora que você tem tempo…” Quem tem tempo? Quem tem filho não tem tempo, o dia inteiro atrás de comida, de cuidar de casa. Juro para vocês que hoje a gente foi parar para olhar o relógio e eram 15h da tarde. O Augusto foi sentar para trabalhar e eu nem almocei hoje.

Em momentos como este, a valorização da área da psicologia e de seus profissionais é essencial, não só para quem vive a realidade da quarentena como mãe, mas para que todos possamos passar por isso da melhor forma possível. Acho que nem nos nossos sonhos mais loucos poderíamos ter adivinhado o rumo que esse ano tomaria, e agora o que precisamos é viver um dia de cada vez, cuidando de si e dos outros, do nosso corpo e da nossa mente, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, sem economizar água, sabão e álcool em gel, fazer da máscara sua melhor amiga, e para quem puder: fiquem em casa!

E vamos finalizar essa matéria com um recadinho mais que especial de uma de nossas entrevistadas, a Isabella, para todas as mães que, assim como ela, estão tendo que passar esse momento junto de seus baixinhos.

“A gente tem que se cobrar um pouco menos. Queremos ser os pais perfeitos e nunca vamos ser mesmo, principalmente neste momento. Dar conta de rotina, de atividade de escola, não acho que seja a hora de focar nisso. Foca em cuidar de você, da casa, fazer uma comida gostosa, é o que a gente tem que se apegar agora. Se cuidem.”

Feliz Dia das Mães, da equipe ComunicaUEM para todas as mães desse Brasil!