JoJo Kimyou na Bouken. Conhecido no Ocidente como JoJo’s Bizarre Adventure (Literalmente, as Bizarras aventuras de JoJo).

Este nome pode ou não ser familiar para você, dependendo do quanto de um nerd de anime você é.

Mas mesmo que você jamais tenha ouvido falar desta série, há uma chance altíssima de que você tenha visto uma referência a ela sem saber, se você consumiu mídia feita no Japão após 1989. Especialmente se tal mídia era de ação ou comédia. Isso porque a série como um todo é incrivelmente popular e influente em seu país de origem.

Curioso, então, que JoJo não recebeu qualquer atenção no ocidente até a atual década, quando tornou-se popular em certos círculos na Internet. As razões para essa súbita atenção são várias: A adaptação do Mangá para um Anime de altíssima qualidade. A popularização de simulcasting, um serviço de distribuição de vídeo digital que permite que certos programas de televisão sejam postos no ar simultaneamente em todo o globo.

Ainda mais interessantes são as razões pelas quais o Mangá não foi importado para o ocidente nos 30+ anos que foi publicado. Mídia importada do Japão teve vários surtos de popularidade ao longo das últimas décadas. Ultraman trazendo os seriados de herói toukusatsu nos anos 80, com uma adaptação ainda mais popular nos anos 90 com Power Rangers. Dragon Ball e Pokémon trazendo animes e mangás para popularidade mais adiante nos anos 90. E nos anos 2000, a popularidade de animes como Naruto e One Piece através de adaptações ocidentais.

Este post não é sobre nenhuma dessas duas coisas, por mais interessantes que elas possam ser. Ao invés disso ele é uma breve discussão sobre papéis de gênero e sexualidade, e como estes são vistos pelo filtro da cultura japonesa.

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Arte da temporada mais recente do anime, Vento Aureo. Imagem: David Productions/Hirohiko Araki

Começado em 1987 pelo artista de Mangá e escritor Hirohiko Araki, JoJo’s não foi o primeiro mangá dele, tampouco tomou sua personalidade única até sua terceira parte em 1989.

Os mangás (e atual anime) contam a saga de uma linhagem de personagens, todos com a peculiaridade de terem nomes que podem ser abreviados para JoJo (ou uma variação próxima, no caso de um deles, abreviado para GioGio).

O auge da popularidade da série veio com a terceira parte, em 1989, entitulada Stardust Crusaders. Protagonizada pelo mestiço de britânico e japonês Kujo Jotaro.

E é interessante discutir a popularidade desta parte em particular. De fato, ela apresentou uma das coisas mais únicas e criativas da série, entidades ligadas aos protagonistas e vilões conhecidas como Stands, que se tornariam parte de JoJo pelo resto da série, e iriam ser copiadas e homenageadas em mídia japonesa no futuro, inclusive servindo de inspiração para o popularíssimo Pokémon.

Mas além disso – O protagonista. Jotaro. Ele é o absoluto ideal de masculinidade na cultura japonesa. Silencioso, jamais expressando emoções além de raiva e cansaço (o bordão dele, “Yare yare daze” podendo ser traduzido literalmente como ‘Que encheção de saco’), e dotado de um fortíssimo senso de dever. Jotaro descobre que o vilão vampiresco que seu tataravô havia enfrentado mais de um século atrás ainda estava vivo, e viaja por toda a Ásia em busca de enfrentá-lo e derrotá-lo.

Os "Jojo"s das seis primeiras partes do Mangá. Imagem: Hirohiko Araki.

Os “Jojo”s das seis primeiras partes do Mangá, que está em sua oitava parte. Imagem: Hirohiko Araki.

Em verdade, cada “JoJo” é uma expressão diferente do gênero masculino:

Johnatan, da primeira parte, é um príncipe encantado, heroico, gentil, e dotado de músculos exagerados.

Joseph, da segunda parte, é um malandro covarde, o tipo que puxa uma metralhadora contra um oponente que esperava enfrentá-lo com artes marciais, o tipo que vê que a coisa está ficando feia e apenas foge. E ainda, um protagonista cativante com sua esperteza e truques criativos.

Jotaro é o homem másculo japonês. Silencioso, intenso, e dedicado a seu dever.

Josuke, da quarta parte, é um adolescente folgado. Bom de coração, mas vaidoso e um pouco de um hedonista, usando seus superpoderes não apenas para proteger a cidade, mas para ganhar popularidade em seus círculos, dinheiro, e outros ganhos pessoais.

Da quinta parte (a mais recentemente transformada em anime), temos Giorno, um delinquente elegante e sensual. Um que busca poder e influência, juntando-se à Máfia italiana.

A sexta parte é uma rara exceção: A protagonista, Jolyne, é uma mulher. Mas se Giorno antes dela era um homem afeminado, Jolyne é uma mulher masculinizada. Musculosa, com um queixo quadrado.

Entre a fanbase ocidental, há o estigma de que JoJo é gay. Fãs discutem em sites sociais sobre a sexualidade do autor.

É uma série sobre (majoritariamente) homens musculosos vestindo roupas inspiradas por passarelas de moda, frequentemente desenhados em poses dramáticas, inspiradas por revistas de moda e revistas eróticas. Os personagens raramente demonstram interesse em mulheres exceto como acessórios para sua popularidade. E tais mulheres raramente são vistas, e quando são, são desenhadas com um design que, no ocidente, seria considerado “Másculo”. A arte do mangá é aparentemente deslumbrada com os corpos destes homens. Representando-os com poses e designs sensuais.

A parte curiosa é que tal estigma — Aparentemente jamais existiu no Japão. Uma cultura que, se o atual estado de direitos LGBT+ no país é indicativo, é tão LGBTfóbica, senão mais do que a cultura ocidental atual. Apesar de sua exploração de diferentes tipos de homem, todos diferentes, e todos levemente sexualizados, tal coisa não é discutida pelos fãs japoneses.

O autor, Hirohiko Araki, diz-se heterossexual, e é até autor de posts levemente homofóbicos em sua rede social.

E então a questão a ser pensada se torna, o que em nossa cultura é diferente? Que uma série feita no ocidente com estas características definitivamente carregaria o estigma de (e provavelmente faria seu marketing com base na brand de) ser uma série gay. — Mas em seu país de origem, é vista como algo apenas — “Normal”. Um ícone de sua cultura. Com influência em todos os mangás que vieram depois.