As ações afirmativas para o ingresso de pessoas pretas, pardas ou de origem indígena em universidades existem há alguns anos no Brasil, levando em consideração a falta de igualdade racial e representatividade dessas pessoas nos cursos superiores e nos concursos públicos. O Rio de Janeiro foi o estado pioneiro a implementar uma reserva de vagas para alunos de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas em lei, trazendo como consequência que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) tenha sido a primeira no país a inserir essas cotas em seu vestibular. Desde então, referidas ações têm sido incorporadas aos sistemas de ingresso em universidades espalhadas por todo o país e em 2012 medidas colaboraram efetivamente para uma melhor aplicação.

Em abril daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou, em unanimidade, o sistema de cotas para negros e pardos constitucional, sendo uma decisão válida para todas as universidades e instituições públicas de ensino superior que já adotavam ou que pretendiam adotar as cotas, uma vez que a Constituição Federal de 1988 possui entendimentos com o mesmo teor de reparação e justiça social. Na época, o único ministro negro do STF, Joaquim Barbosa, disse ao G1: “Ações afirmativas se definem como políticas públicas voltadas a concretização do princípio constitucional da igualdade material a neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem. […] Essas medidas visam a combater não somente manifestações flagrantes de discriminação, mas a discriminação de fato, que é a absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem.”. Além disso, em agosto em 2012 foi sancionada a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, a qual garante 50% das vagas de instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação e de instituições federais de ensino técnico de nível médio para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio e fundamental, respectivamente, em escolas públicas. Desse percentual, as vagas serão preenchidas por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, levando em consideração à proporção dessa população, segundo o IBGE, na unidade da Federação onde está a instituição.

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Foto: Mariana Manieri Pires Cardoso

A maior parte da população brasileira é formada por pretos e pardos (55,8% de acordo com o IBGE em 2018) e, mesmo assim, essa população é pouco vista no ensino superior. As leis de ações afirmativas são uma forma de corrigir essa problemática, que é fruto da escravização de pessoas africanas no Brasil durante séculos.  Em 1872, um Censo foi realizado a mando de D. Pedro II e constatou que o país possuía 10 milhões de habitantes, em que a população escrava correspondia a 15,24% (informações do Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica da Universidade Federal de Minas Gerais – NPHED/UFMG e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado – Fapemig), sendo uma quantidade expressiva da sociedade e que, anos mais tarde, não receberia as devidas garantias do Estado, nem políticas públicas em seu favor, acolhimento do restante da população, muito menos uma real reinserção social após a abolição da escravidão.

Até hoje, a população negra luta para conquistar espaços dignos na sociedade brasileira e um levantamento do IBGE mostrou os avanços realizados nesse sentido. No que diz respeito a educação, muito se deve as políticas de cotas, uma vez que houve aumento de 50,5% (2016) para 55,6% (2018) na quantidade de jovens pretos ou pardos de 18 a 24 anos cursando o ensino superior. No entanto, estudantes brancos, na mesma faixa etária, somam 78,8%, ainda que no Brasil os brancos não sejam a maior população, ou seja, pretos e pardos continuam sub-representados. Mesmo assim, é válido destacar que esse avanço é muito importante para futuros reflexos no mercado de trabalho para essas pessoas, já que, atualmente, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$2.796) foi 73,9% superior ao da população preta ou parda (R$1.608).

A educação é um direito social (art. 6º, CF) e é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento do sujeito tanto individualmente, como em sociedade, colaborando para que ele exerça sua cidadania, bem como se destaque no mercado de trabalho ou em outros estudos. Sendo assim, é necessário que vejamos uma democratização em todos os setores dentro das universidades, que as pessoas negras ocupem esses espaços, tenham a possibilidade de criar debates, compartilhar visões e expor seu conhecimento, gerando um progresso na equidade racial e um combate ao racismo institucional.  Ainda, as ações afirmativas colaboram para uma pluralidade de pensamentos e ideias, bem como para um enfrentamento de preconceitos e estereótipos, tanto no meio acadêmico, quanto na sociedade em geral. De acordo com folheto distribuído pelo Núcleo de Estudos Interdisciplinares AfroBrasileiros – NEIAB, as cotas raciais não aumentam o racismo: “Os alunos/as negros/as, em sua maioria, sofrem com as desigualdades sociais resultantes da pobreza e do racismo. As cotas raciais não aumentam o racismo, ele já existe na estrutura formativa do Brasil, elas funcionam como uma medida antirracista de inclusão da população negra em espaços sociais que historicamente lhe foram negados.”.

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Foto: Milena Massako Ito

Além disso, essas políticas não são fatores que diminuem a qualidade dos estudos nas universidades, vide exemplo um estudo realizado na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), o qual apontou que as médias dos cotistas estavam apenas alguns décimos de pontos abaixo das médias obtidas entre os demais estudantes, em uma amostra de 11 departamentos, e em outros dois departamentos a média dos cotistas foi superior à dos demais. Já na Universidade Federal da Bahia (UFBA) os estudantes que ingressaram pelas cotas para egressos da escola pública, brancos e negros, tiveram rendimento igual ou superior ao dos demais alunos em 61% dos 18 cursos mais valorizados. No que diz respeito a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), uma pesquisa constatou que, desde que foram instituídas as cotas, o índice de reprovações e a taxa de evasão totais permaneceram menores entre os beneficiados por políticas afirmativas em comparação aos demais estudantes. Na Universidade de Campinas (Unicamp), o desempenho médio dos alunos que entraram na faculdade graças ao sistema de cotas é superior ao resultado alcançado pelos demais estudantes, em 31 dos 56 cursos ofertados em 2005.

Ainda, um estudo realizado pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa), com base nos dados do Sisu, mostra que as diferenças médias nas notas de corte entre cotistas e não cotistas são muito pequenas. A nota de corte dos egressos de escola pública, independente de cor e renda, foi apenas 2,44% inferior em relação à ampla concorrência. Já os egressos de escola pública e de baixa renda, bem como entre os egressos de escola pública pretos, pardos ou índios, possuem uma média de nota de corte 4,8% menor à da ampla concorrência.

Ademais, é necessário pensar muito bem sobre a questão do mérito para o ingresso nas universidades no país. O Prof. Me. João Feres Júnior expõe seu entendimento sobre isso no Jornal da USP: “Não há mérito em um candidato que teve o privilégio de ter nascido em uma família com condições financeiras para lhe prover ensino privado de qualidade se classificar na frente de candidatos que não tiveram outra escolha a não ser cursarem escolas públicas de qualidade ruim. Mas essa era em grande medida a realidade do ensino superior público brasileiro antes da criação das cotas. Os filhos da classe média, geralmente brancos, abiscoitavam em massa os melhores postos do ensino superior enquanto candidatos de origem mais pobre e menos brancos eram preteridos. Antes das cotas, os métodos de admissão na educação superior, mormente o vestibular, auferiam o mérito dos candidatos de maneira muito limitada. As vagas nos cursos mais competitivos das universidades mais prestigiosas eram quase que privilégio exclusivo dos filhos das classes média e alta, brancas. As cotas promovem um maior nivelamento da competição, permitindo que o mérito seja premiado tanto entre os brancos mais ricos quanto entre os brancos e não brancos mais pobres. E não é somente uma questão de classe a afetar o mérito. É inegável o fato de que em uma sociedade em que existe racismo e discriminação racial, parte da posição social privilegiada dos brancos é decorrência das chances desiguais que tiveram, por gerações, em relação aos não brancos, e não simplesmente produto de seu mérito propriamente dito.”.

Atualmente, em Maringá, o debate sobre as cotas raciais na Universidade Estadual de Maringá (UEM) vem ocorrendo e no dia 6 de Novembro houve um parecer favorável para essas ações afirmativas. Hoje, 20/11, Dia da Consciência Negra, ocorre a votação decisiva a respeito das cotas raciais, para que haja uma democratização e popularização do acesso à UEM. Esta possui menos de 3% de indígenas ou negros entre os seus 18 mil alunos (dados de 2017), número que reflete diretamente em todas as questões que já abordamos ao longo desse texto, tanto na população indígena e negra maringaense, como no desenvolvimento de uma universidade estadual que seja mais plural e diversa. A UEM, inclusive, possui uma política afirmativa bastante tímida e reduzida no processo vestibular se comparada com outras estaduais do Paraná e algumas das melhores universidades do Brasil:

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Foto: Milena Massako Ito

UEL (Universidade Estadual de Londrina) reserva 45% das vagas de cada curso a ações afirmativas, com a seguinte distribuição: 20% para candidatos de instituições públicas de ensino; 20% para candidatos autodeclarados negros oriundos de Instituição Pública brasileira de ensino; 5% para candidatos autodeclarados negros independente do percurso de formação.

UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) reserva 50% das vagas para alunos de instituições públicas de ensino, embutindo, dentro deste percentual, 10% (dez por cento) aos candidatos que se autodeclarem negros.

UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná) reserva de 50% das vagas, com seguinte distribuição: 25% das vagas para escolas públicas; b) 20% para candidatos pretos e pardos, que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas; c) 5% para pessoas com deficiência que concluíram o Ensino Médio, independente do percurso de formação, público ou privado.

UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná) reserva 40% das vagas para políticas afirmativas com a seguinte distribuição: a) 20% para Cota Social (CS): candidatos que frequentaram integralmente todas as séries do Ensino Médio ou equivalente em instituições públicas brasileiras de ensino; b) 20% do total das vagas para Cota Sociorracial – candidatos autodeclarados negros e que tenham frequentado integralmente todas as séries do Ensino Médio ou equivalente em instituições públicas brasileiras de ensino.

UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) reserva 25% das vagas a candidatos que se autodeclarem negros e pardos.

–  USP (Universidade Estadual de São Paulo) reservou no vestibular de 2020 45% das vagas de cada curso de graduação para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas no Brasil e, sobre esse montante, incidirá percentual para candidatos egressos da escola pública autodeclarados pretos, pardos e indígenas, equivalente à proporção desses grupos na população do Estado de São Paulo, segundo último censo do IBGE.

É fundamental que discutamos sobre as ações afirmativas e reflitamos sobre os múltiplos impactos benéficos que elas exercem na sociedade, além de serem um direito das pessoas pretas e pardas. Caso você necessite de mais informações e também queira fomentar o debate, pode consultar:


Este texto foi postado às 10h do dia 20/11/2019. Neste mesmo dia, às 14h, no bloco C34 da UEM, ocorreu a votação pela implementação de Cotas Raciais na Universidade Estadual de Maringá, sendo obtida a sua aprovação.