As passarelas sempre foram lugares da exibição e da exaltação de tendências, belezas, peças de luxo, e também dos corpos perfeitos. Assim, por um longo período, toda essa lógica do universo fashion esteve pautada no que era estética e socialmente aceitável, seja pela maneira de produzir as roupas, sapatos e acessórios (na escolha das matérias-primas utilizadas, por exemplo) seja pelo modo com que tais artigos são colocados à mostra. A moda é um instrumento de comunicação, expressão e de reproduções sociais, encaixando-se também como um componente cultural. É por meio dela que são expressos os padrões hegemônicos da sociedade, referindo-se à beleza, ao comportamento, ao estilo, etc.

Entretanto, nos últimos tempos, os desfiles de moda têm ido além da simples exposição do que é considerado belo e do que está em alta, introduzido também em seus repertórios manifestações político-sociais (como assuntos referentes às multiplicidades identitárias, ao feminismo, às críticas das políticas governamentais, etc.) e mudanças no que concerne à idealização dos desfiles, isto é, na escolha do casting de modelos e até mesmo na entrada de novos estilistas. Logo, há uma modificação em toda a dinâmica interna das passarelas, em seus DNAs.

Na 47ª edição do São Paulo Fashion Week, algumas marcas resolveram não só mostrarem suas peças para apreciação, mas também para se posicionarem em relação ao momento que o Brasil tem passado, por meio de customizações nas roupas ou da utilização de acessórios que remetam a esse cenário sociopolítico. Foi o caso da marca mineira LED, do estilista Célio Diaz, que fez das passarelas o local para manifestações através de cada look apresentado, em parceria com a ilustradora Zangadas (conhecida pela arte com a frase “Ninguém solta a mão de ninguém”), que estampou algumas das peças da coleção, como é possível conferir nas fotos abaixo:

Quem também explorou o lado do protesto foi o estilista nepalês-americano Prabal Gurung,  que em seu desfile da New York Fashion Week 2019 utilizou-se da pergunta “Who gets to be american?” (Quem chega a ser americano?, em tradução livre) em faixas nas modelos para ressaltar a problemática da crise dos imigrantes nos Estados Unidos, associada à questão da identidade americana/estadunidense.

Em entrevista à Revista Times, Gurung explica que tinha uma visão de redefinir o estilo americano por meio de uma abordagem multicultural, e a inspiração para o show foi despertada após ser questionado em uma reunião de negócios “Como você pode definir americano? Você não parece americano”. O estilista contou que vive nos Estados Unidos há 20 anos, tornou-se cidadão, pagando os impostos e trabalhando como qualquer outro faria, mas que ainda acaba se perguntando “quando será o suficiente?”, ou seja, quando ele vai chegar a ser realmente considerado americano.

NEW YORK, NY - SEPTEMBER 08: Models walk in the Prabal Gurung S/S 20 Fashion Show at Gallery I at Spring Studios on September 8, 2019 in New York City. (Photo by Aurora Rose/Patrick McMullan via Getty Images)

Desfile de Prabal Gurung (Foto: Aurora Rose/Patrick McMullan via Getty Images)

Outro fato que merece ser destacado é o de que pela primeira vez na história se teve a presença de uma estilista transgênero na Semana de Moda de Nova York. Pierre Davis é diretora criativa da marca No Sesso, que se volta para o streetwear. O Conselho de Estilistas da Moda dos EUA (CFDA) direciona a Fashion Week, e com o objetivo de incluir as diversidades no evento foi feita a escalação de Pierre Davis para dar largada a essa iniciativa.

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Pierre Davis à esquerda (Foto: Johannes Eisele/Getty Images)

Modelos trangêneros já apareceram antes nas passarelas, como na grife Marco Marco, que teve um casting só de pessoas trans na NYFW, e também, como a brasileira Valentina Sampaio, que já desfilou por diversas marcas e se tornou a primeira modelo trans da marca de lingerie Victoria’s Secret, ela que já tinha se destacado por ter sido a primeira transexual a ser capa da Revista Vogue Paris.

A modelo Valentina Sampaio. (Foto via Instagram)

A modelo Valentina Sampaio (Foto via Instagram)

As escolhas de modelos prezam cada vez mais pela diversidade e isso foi bastante visível nos desfiles da última Semana de Moda de Nova York. Tommy Hilfiger teve um dos shows que mais se destacaram, 80% dos modelos que desfilaram são negros, contando também com a presença de Ashley Graham, uma das principais modelos “plus size” e que está grávida.

E um dos momentos mais aguardados da temporada fashion, foi o desfile da Savage X Fenty (marca de lingerie da cantora Rihanna), que foi um verdadeiro show, tendo até a música da cantora brasileira Ludmilla sendo tocada e  a participação da cantora Normani. O casting foi super diversificado, com as tradicionais top models, mas também com mulheres de corpos variados, assim como seus tons de pele. Um verdadeiro diferencial!

É perceptível ainda que, apesar de toda essa reinvenção, o setor fashion continua sendo falho e ainda se mantém distante de ser inclusivo. Entretanto, a inserção dessas pautas nesse universo tão influente como o da moda é muito necessária. Tais mudanças são de extrema importância, em momentos como os dias de hoje, em que as questões de diversidade, de identidade e das expressões, seja de corpo ou de fala, nunca foram tão discutidas.


Fontes: