Carpe Diem. Este é princípio de Sociedade dos poetas mortos (1989): aproveite o dia. A trama se passa dentro de um colégio interno para meninos, no qual o sistema de ensino era tradicional e rígido. Os alunos presenciavam aulas tradicionais para se tornarem futuros advogados, engenheiros e médicos, ou seja, profissões de grande prestígio social. No colégio, as aulas eram expositivas, isto é, os professores exibiam os conteúdos de forma que os estudantes os ouviam e os memorizavam. A exemplo do filme, na Escola Tradicional, uma abordagem educacional, o ensino é voltado para aulas expositivas, memorização de conteúdo, controle sobre os alunos e sobre o que será transmitido a eles. Ou seja, nessa abordagem, o aluno é um receptor passivo que repete informações. Dessa forma, a escola acaba por ser uma fábrica: não produz, na maioria das vezes, alunos críticos e dispostos a transformarem suas realidades sociais e, sim, seres que reproduzem informações, padronizados e operáveis.

Alunos do colégio interno de Sociedade dos Poetas Mortos (Fonte: Touchstone Pictures)
Pink Floyd, em 1979, 10 anos antes de Sociedade dos Poetas Mortos estrear, lançou o álbum The Wall e uma de suas faixas Another brick on the wall abordava o mesmo tema do filme, o ensino tradicional. Tanto no clipe quanto na letra há uma crítica a esse sistema educacional. Numa de suas cenas, um professor lê a poesia de um de seus alunos em frente aos demais. Ele ridiculariza a poesia como se escrevê-las fosse desprezível. Como se criar, pensar e inovar, ou ainda, ser artista não fosse significativo e, sim, alvo de zombaria. Desse modo, a crítica ao ensino tradicional fica evidente: a criação e reflexão não são incentivadas.

Cena de Another Brick on The Wall (Fonte: YouTube)
Em outra cena do clipe, crianças com máscaras caem dentro de um moedor de carne. O produto do moedor é uma metáfora ao produto que as escolas fabricam: uma massa de pensamentos, funções e objetivos padronizados. A padronização de comportamentos e ideias reduz a pluralidade de concepções sociais, assim acaba por influenciar nossa visão do outro: como podemos reconhecer as diferenças alheias e repeitá-las, se não fomos ensinados a reconhecer a diversidade de opiniões e modos de vida?

Cena de Another Brick on The Wall (Fonte: Giphy)
Paulo Freire, um dos maiores pensadores da educação, chamou esta forma de ensino de “educação bancária”, ou seja, o professor “deposita” seu acervo cultural sobre o aluno. Concordando com ele, a pedagoga brasileira Mizukami afirma que esta abordagem possui uma “visão individualista do processo educacional, não possibilitando, na maioria das vezes, trabalhos de cooperação nos quais o futuro cidadão possa experenciar a convergência de esforços”. Dessa forma, além de não reforçarem a solidariedade e a tolerância, os modelos apresentados no filme e no clipe são conservadores e desatualizados e não contribuem para a construção de cidadãos com pensamentos e ideias inovadoras dispostos a transformarem as suas realidades, ou seja, tais abordagens não colaboram para um maior desenvolvimento da sociedade. Ao contrário, reprimem a criatividade e a livre expressão do aluno, como vemos na cena da poesia. Além desta, no filme também vemos a manifestação dessa repressão sobre os estudantes quando o personagem Neil Perry, aluno do internato, deseja ser ator e não é incentivado pela sua família e nem pela escola (a exceção do novo professor com ideias destoantes das vigentes), e isso acaba por resultar numa tragédia.

Cena de Another Brick on The Wall (Fonte: YouTube)
Ainda no início do filme, um novo professor é contratado para lecionar no colégio interno. John Keating surpreende seus novos alunos logo nas primeiras aulas com seus pensamentos divergentes e inovadores. Quebrando com o conservadorismo presente na esfera escolar, o professor apresenta uma nova visão de mundo para eles: e, se o que estavam acostumados a fazer, ouvir e desejar não fosse a única opção? Tanto pelas ideias dos pais quanto pelas da escola, os meninos do colégio interno estavam tão presos as regras rígidas que custaram a confiar nas do professor. Keating não trouxe apenas a arte para eles, trouxe uma nova perspectiva e novos sonhos. Rasgar os livros, subir em cima das carteiras, recitar poesias, aulas fora da sala, essa não era a metodologia que a escola possuía. Essas ações não faziam parte do dia a dia de estudos dos alunos do internato. Faziam parte do seu?

Cena de Sociedade dos Poetas Mortos (Fonte: Alamy)
O filme se passa em 1959, e 60 anos depois ainda estudamos com as mesmas metodologias, mesmos conteúdos, mesmas aulas, mesmos ambientes, e por aí vai. Nosso contexto histórico mudou, possuímos uma nova realidade social, novos modos de vida e de percepção do mundo, se a escola é responsável por transmitir o acervo cultural ao aluno para que ele compreenda sua realidade e aplique os conhecimentos que aprendeu, porque aprendemos da mesma maneira que a seis décadas atrás?
Quebrando com o conservadorismo e tradicionalismo, voltamos ao Carpe Diem. O professor sussurrava tais palavras nos ouvidos de seus alunos em uma determinada cena. Ele pregava que deveriam aproveitar não só um dia, mas todos. “Aproveitem o dia, garotos. Tornem suas vidas extraordinárias”. Após se formar no mesmo internato e conhecer o mundo além dele, Keating entendeu que era necessário valorizar os sentimentos e as paixões humanas. Que estudar e estudar para tornar-se mais um parafuso na engrenagem ou mais um tijolo no muro não era o essencial, não era o centro: era um detalhe. Era uma parte pequena do todo.
Assim, além dos muros de nossas escolas e de nossas universidades há um mundo com uma variedade de pensamentos, culturas, objetivos, sonhos. Além das paredes de qualquer sala de aula há um novo horizonte de possibilidades. Então, realmente vale a pena se tornar mais um tijolo no muro?

Cena de Sociedade dos Poetas Mortos (Fonte: Touchstone Pictures)
Fonte:
Mizukami (1986): As abordagens do processo.