Há quase 10 anos, o Haiti sofria com as consequências de um forte terremoto de magnitude 7 na escala Richter. Metade da capital, Porto Principe, foi destruída, pelo menos 200 mil pessoas morreram e 300 mil ficaram feridas, além dos mais de 1 milhão de desabrigados, conforme reportagens do G1. Um evento que danificou fisicamente o país, mas, mais que tudo, piorou as condições sociais já existentes, colaborando para a onda migracional nos anos seguintes ao desastre natural.

O Brasil foi e ainda é um dos destinos mais comuns para os imigrantes haitianos, sendo o país com maior número de haitianos entre os membros do Mercosul, segundo a ONU, e, até o fim de 2016, havia sido autorizado mais de 60 mil residências no país. O Paraná, em especial, é um dos estados mais procurados, tendo Maringá como uma das cidades alvo. O Núcleo de Migração e Imigração (Numig) da Polícia Federal, na cidade verde, possui mais de mil imigrantes haitianos registrados, sendo a nacionalidade com maior número de registros, dos mais de 5 mil estrangeiros.

Além de toda a parte burocrática para o ingresso em um país diferente ao seu país de origem, os imigrantes passam por diversas dificuldades. A aluna Camila Franco Kotsifas, em sua dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Engenharia Urbana da Universidade Estadual de Maringá (UEM), abordou quais as principais dificuldades enfrentadas pelos haitianos em Maringá, entrevistando residentes na cidade e constatando que, em primeiro lugar, encontra-se o idioma, citada por 81% dos respondentes, seguida pelo acesso à educação (68%) e o emprego (54%).

Estes problemas, enfrentados por moradores da cidade, motivou a criação de um projeto que ajudasse a saná-los, o “Raízes e Asas”. Os responsáveis por isso foram os membros da Enactus UEM, uma organização estudantil, fundada em 2013, composta por estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da universidade. O time faz parte da rede Enactus, organização internacional presente em quase 40 países, que tem como lema levar empoderamento social a comunidades de risco, para melhorar o padrão e qualidade de vida das pessoas.

No que diz respeito ao projeto, o nome foi inspirado em uma mensagem de Paulo Coelho, na intenção de estimular os participantes na manutenção de sua cultura e costumes – suas raízes –, bem como dar o apoio necessário para a adaptação a uma nova realidade – oferecendo asas para que possam voar –, por meio de aulas gratuitas de português. O início de tudo foi em 2016, em parceria com a ARAS/Cáritas, com aulas aos domingos, ministradas por voluntários, e com a divisão dos alunos em módulos, sendo “básico”, “intermediário” e “avançado”, ou seja, atendendo desde imigrantes com desconhecimento total da língua portuguesa até aqueles que buscavam auxílio para realizar provas para o ingresso na faculdade. Essa parceria resultou na entrega de 39 certificados de conclusão das aulas, no fim de 2017, para imigrantes, sendo a maioria haitianos.

Entrega dos certificados de conclusão das aulas em 2017. Foto: Arquivo pessoal

Em 2018, a Enactus UEM resolveu expandir o alcance das aulas e focou sua atenção no desenvolvimento de uma plataforma online para disponibilizar videoaulas que tivessem acesso a imigrantes no Brasil inteiro. O time contou com novos parceiros, como a UEM TV, que fornece o local e equipamentos necessários para a gravação das aulas, a Bitzen Tecnologia, a qual elaborou o site, a Prof. Me. Wilsilene Rodrigues Gatto, que auxilia na criação de conteúdo e revisão dos roteiros, o Carl Henry François, responsável pela tradução do material para o crioulo e na escolha de temáticas relevantes para os haitianos, os alunos de Comunicação e Multimeios, Isabela Palma e Kaio Murilo, que auxiliaram na edição das videoaulas, além dos próprios membros do projeto.

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Time Enactus UEM. Foto: Arquivo pessoal

Já em 2019, o projeto foi premiado com o primeiro lugar, na categoria Social, do Prêmio Ozires Silva de Empreendedorismo Sustentável. E, após cerca de um ano da ideia das aulas a distância, no Dia da Bandeira do Haiti, 18 de Maio, a plataforma digital foi lançada em um evento que contou com a presença da equipe do Comunica. Inicialmente, fomos apresentados aos responsáveis pelo projeto, desde o seu início, até os dias atuais, seguindo-se um coffee break com salgadinhos e um prato típico da cultura haitiana, a sopa de abóbora – muito apreciada no dia da bandeira! Após, o time da Enactus UEM apresentou o site, que tem acesso livre e gratuito, mostrando algumas videoaulas já disponíveis.

Os módulos seguiram do mesmo modo das aulas presenciais, ou seja, o primeiro nível é o “básico”, o qual possui legendas em crioulo – facilitando o aprendizado dos alunos, tendo em vista a grande diferença com o português – e possui foco no ensino de expressões recorrentes no nosso cotidiano, seja no mercado ou até no hospital. Ao finalizar esse módulo, o próximo é o “intermediário”, que tem como objetivo a abordagem de frases mais complexas, mas ainda aquelas usadas em ambientes do dia-a-dia. Por fim, a última etapa para o aluno é o módulo “avançado”, o qual tem enfoque na cultura brasileira, abordando gírias, esporte, música e até a culinária. Para fixar o aprendizado da aula, cada uma possui um quiz correspondente ao tema abordado, além do roteiro completo, promovendo uma relação de leitura e escuta. Ademais, os vídeos são curtinhos, facilitando para que os alunos possam assistir em qualquer momento do dia: durante um café, no caminho para o trabalho, ao chegar em casa ou em qualquer tempo livre que possuírem.

Um dos membros do time, Vinícius Ferrari, comentou a importância do projeto em sua vida: “O Raízes e Asas me ajudou a trabalhar com pessoas diferentes de mim, de melhorar meu trabalho em equipe e ajudou a me desenvolver profissionalmente e como pessoa. Outro lado foi conhecer a dificuldade de outros povos, fazendo com que minha empatia crescesse!“. Para o colaborador François, um projeto como o Raízes e Asas é importante no cenário brasileiro, já que, assim como ele, muitos haitianos chegam ao país sem ao menos entender o significado de “bom dia” e a ajuda de brasileiros faz toda a diferença no aprendizado da língua.

É necessário entendermos a importância de uma recepção empática com essas pessoas que vem de um outro país para buscar uma segunda chance no Brasil. Nossas terras podem ser a nova casa de alguém, um local de acesso à educação, a um trabalho digno e uma melhor qualidade de vida, sendo benéfico para eles e também para os próprios brasileiros, como comentou um dos participantes do projeto. Por isso, faça parte dessa rede de colaboração também: divulgue, compartilhe e indique o site http://raizeseasas.org/ para quem precisa e incentive outras pessoas a participarem dessa rede!