Estamos todos tristes porque o Multicom acabou, então se você perdeu o último dia do evento, continua por aqui que o Comunica te mantém atualizado.
De manhã, aconteceram as oficinas de “Jornalismo Independente: o que é e para que serve?” “Imagens Sonoras: sonoplastia e sugestão de sentidos” e “Tratamento de Imagem Digitalizada”.
Em entrevista, Gabriel Pansardi Ruiz, da oficina de Jornalismo, nos conta que a maior dificuldade do Jornalismo Independente, atualmente, é a construção de mídia e como as relações são montadas, onde os oligopólios dominam os principais veículos de comunicação, acabando que não há políticas públicas que extraem, financiem ou tomem outras iniciativas na comunicação. Para o jornalista, isso acarreta numa visão monopolítica e pasteurizada sobre os fatos que acabam enfraquecendo diversas coisas, mas principalmente a democracia.
Ainda, o dono do blog Estudo em Movimento, onde publica artigos, estudos e música conta que o blog não foi uma iniciativa de jornalismo alternativo. Ele acredita que o faz de duas formas, as quais é escrever, fazer coberturas locais da cidade em que reside, no caso Londrina, e para o Jornal Brasil de Fato Paraná.

Alunos com o professor Gabriel Pansardi Ruiz, na oficina “Jornalismo independente: o que é e para quem serve?” (Foto: Anna Julia Sbardelott)
Já na oficina de “Imagens Sonoras: sonoplastia e sugestão de sentidos”, o professor Clayton Henrique (UniCesumar) fez experimentações com os alunos de forma que a audição fosse estimulada, através de áudios e sons do ambiente, bem como explicou alguns conceitos relacionados ao som e trouxe diversos exemplos de rádio-arte, como a “Inundación en el Zócalo”, de Irma Palacios, e de rádio teatro, como “A Peruca do Santo”, da Rádio Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O oficineiro, também idealizador e produtor do podcast Liga o Rádio, nos contou que a ideia partiu por iniciativa própria e é um projeto independente, de forma que os alunos possam assimilar melhor os conteúdos fora da sala de aula e trazer discussões sobre esses assuntos trabalhados tanto durante às aulas quanto o podcast. Já para quem deseja trabalhar com o mercado sonoro, Clayton indica tentar estágios em rádios ou produzir os próprios podcasts, que é um mercado crescente no Brasil: com um microfone ou o celular é possível gravar os áudios e com um computador, editá-los.

Oficina se “Imagens Sonoras: sonoplastia e sugestão de sentidos”, com o professor Clayton Henrique. (Foto: Aline Namie)
No intervalo entre a programação da manhã e a conferência de encerramento, aconteceu o Palco Livre, realizado pelo Centro Acadêmico de Comunicação e Multimeios (CACO) em parceria com o Multicom, o qual contou com apresentações musicais e uma exposição de fotos e artes, ambos apresentados pelos alunos do curso.
- O Palco Livre contou com apresentações musicais…
- … e uma exposição fotográfica e artística realizadas pelos alunos. (Fotos: Hada Maller, Alice Medeiros)
No período da tarde, tivemos a presença do Prof. Dr. Aguinaldo Moreira de Souza (UEL), o qual veio com a palestra intitulada “O Corpo, Sempre o Corpo”, que vai falar um pouquinho sobre as performances já realizadas por ele e sua relação com a arte e o teatro. Depois, houve uma atividade cultural incluindo performance corporal, “Jam Session: Palavra da Salvação”, apresentado João Mosso, Náthali Abatti, Thainara Pereira e João Pedro Rodarte.
- Detalhes da performance corporal “Jam Session: Palavra da Salvação”.
- Fotos: Victoria Jesus de Souza
Após a conferência de encerramento, conversamos um pouquinho com o professor Aguinaldo. Confira:
COMUNICA: Como surgiu o convite para vir ao Multicom?
AGUINALDO: Eu fui professor de Teorias da Comunicação quando o professor Paulo fez a graduação dele em Publicidade, só que já naquela época ele tinha uma relação com arte e eu já era ator, então já tinha esse trânsito, esse ruído entre trabalhar com comunicação e arte. Ficamos muitos anos sem se encontrar, mas eu sabia da carreira dele, que ele estava se desenvolvendo na carreira da comunicação, e eu fui migrando da área da comunicação para a área do teatro gradativamente. Hoje eu sou professor de teatro e ele é professor de comunicação.
COMUNICA: Para você, qual é a relação entre a política, que você estuda e deu aulas de teorias, e a arte, o teatro?
AGUINALDO: Eu acho que a questão da expressão é sempre uma coisa moral e ética. Primeiro eu tenho uma deliberação interna, um pensamento que se discute internamente, e nisso entra a minha moral, a minha ética, aí eu me relaciono com as outras pessoas que ainda estão no cumprimento da ética, com um grupo de teatro e comigo mesmo. Para formar a arte, para estabelecer a linguagem e fazer um objeto artístico, eu preciso de uma estética e de uma poética, que é um conceito de arte e um modo de operar na arte.
Agora, que arte eu vou fazer, onde eu vou colocar essa arte que vai me representar no mundo, isso é política. Onde eu vou colocar a minha obra, com quem eu vou dialogar, que espaços eu vou frequentar, se eu vou pôr num teatro, se eu vou pôr na rua, se eu vou pôr em uma escola, em um calçadão, na periferia no centro, em um teatro de mil lugares, isso é um posicionamento perante a realidade, então eu acho que todo objeto estético, ele caminha da ética profissional para a política.
Sobre as peças de teatro que você dirige, como e onde surge a inspiração, a ideia?
Eu tenho um critério que ele é absurdo. Eu não pretendo ser original completamente porque a originalidade é uma coisa impossível, mas eu parto do seguinte princípio: se eu já vi, eu não copio; e se eu já fiz, eu não repito. É uma coisa que eu estou sempre em busca de superar minha expressão, eu acho que se eu tenho medo, esse medo é humano e esse medo vem por algum critério social de uma classe ou de algum lugar, então eu vou direto nele. Então essa coisa da exposição, dos temas e do jeito de fazer, eu raramento faço teatro dentro do prédio do teatro, eu faço teatro nos lugares onde não são de teatro porque isso me interessa: espaços alternativos, abertos. Quando o espaço alternativo já ficou alternativo e isso já foi assimilado, vou para um lugar que não dá pra fazer ou às vezes faço só pra mim, para que seja sempre uma experiência transformadora, nunca seja uma experiência de repetição, porque se na arte a gente virar papagaio, onde mais vai existir crescimento?
Eu entendo que a arte seja transformação, tô sempre correndo risco, nunca fazendo de novo o que eu já fiz. O que a gente fez aqui, a gente já conhecia as estéticas, mas as duas meninas já tinham se encontrado, mas os outros atores não tinham feito nada com elas ainda, então a gente estava experimentando, em um lugar que nem foi feito para teatro, então o risco de dar errado era total, só que esse risco que garante a qualidade de transformação.
E sobre essa peça específica, como surgiu a ideia e processo de criação, escolha dos atores?
Veio de oficinas. Eu tenho uma oficina chamada “Ilhas de Desordem”, que eu convido o ator a pegar uma questão pessoal e falar dela durante a oficina. Então uma menina questionou que é tradição o papel da mulher na família é fazer a massa de macarrão e servir para eles e ela desmontou isso compondo os objetos no corpo dela: a massa, a farinha, o ovo ela vai colocando sobre o corpo e parece que a mulher foi feita para aquilo, feita daquilo, então ao mesmo tempo que ela lida com o carinho, com as informações passadas de geração em geração, ela também optou por questionar se isso deve continuar ou não, que é isso que a constitui, eu acho que tem um traço de feminismo muito interessante.
A outra, por exemplo,discute junto com o feminismo a questão do racismo, qual é o papel da mulher negra. Ela tem um áudio de duas tias falando da avó, que a avó dava banho nelas e parecia que queria tirar a cor na bucha. Todo mundo riu disso, ela gravou e para ela doeu muito, que é a questão da identidade, como se a cor da pele fosse sujeira, e aí ela trabalha isso dentro da performance dela.
Aí o outro menino, tem um trabalho com figuras da morte, com o apocalipse da Bíblia, e ele pede para as pessoas escreverem datas de nascimento e morte de pessoas na pele dele porque ele trabalha com a memória de um amigo. E aí se constrói uma partitura disponível e brincando com velas, que eu acho que é um conceito de experimentar uma lembrança de dor, uma lembrança de sofrimento mas de um jeito estético.
E o outro rapaz distribui tudo que ele já foi xingado na vida em fitas adesivas com os dizeres, e ele pede para a plateia colar no corpo dele, ele fica nu e as pessoas vão colando. Aí entra a questão de sexualidade, de peso, se feiura, de beleza etc. Algumas pessoas colam, mas a maioria começa a escrever elogios para que isso [as outras palavras] não fique, mas ele está colocando que ser gay, gordo e artista são qualidades, não xingamentos. Então o que ele coloca na pele dele a partir disso é bem interessante também.
Esses quatro temas, cruzando eles, eu chamei o evento de “Palavra da Salvação”, que é como se fosse uma mensagem de esperança.
Como você avalia o impacto das peças que você realizou durante sua carreira no teatro?
Olha, eu gosto muito quando, por exemplo, não gostam, porque significa que o espetáculo, a peça, a performance foi para um lugar em que a pessoa se sentiu mexida na sua espontaneidade, no seu modo de agir, porque espetáculos comerciais entram em uma rotina comercial, então você sai de sua casa, paga o ingresso, assiste o espetáculo e depois vai comer uma pizza, então a arte entrar em uma agenda que não é artística, não é legal. Eu gosto desse estranhamento.
Na verdade quem está procurando a arte está com sede de alguma coisa que não é pizza e cerveja, é alguma outra coisa. Então você se encontrar com a arte vai ter seu senso comum desestabilizado e isso pode gerar uma sensação agradável ou desagravável, mas a pessoa estará se refazendo, reelaborando ou questionando alguma coisa, ou simplesmente sentindo em um nível que não é um nível fácil de digerir, porque a facilidade emburrece muito.