Fã é abreviação do latim fanaticus, que originalmente significa “aquele que se diz inspirado pelos deuses”, ou ainda, “pertencente e servidor de um templo, devoto”. Posteriormente lhe foi adquirido o significado de: “aquele que tem uma admiração excessiva por alguém ou alguma coisa”, referindo-se a pessoas que se identificam, admiram e seguem algo ou alguém, seja artistas, figuras públicas, obras, escritores, religiosos, etc.

Muitos julgamentos são direcionados aos que se declaram fãs. Constantemente é atribuída a eles a imagem de indivíduo irracional. As comunicólogas Carolina Dantas e Daniela Okada por meio de estudos para um projeto de iniciação científica (PIC), perceberam que esses estigmas atribuídos ao termo “fã” é ainda mais forte quando se trata do público feminino. O resultado da pesquisa sucedeu o documentário “fanGIRL’S PROBLEMS” que questiona a forma como as fangirls são vistas pela sociedade.

Mas afinal, o que é ser uma fangirl? Daniela Okada em entrevista para o Comunica, revelou que para ela, fangirl é uma identidade, um estilo de vida, e não apenas alguém que gosta muito de uma única coisa. Ser fangirl é a forma de vivenciar intensamente tudo o que toca o coração, seja uma narrativa, livro, filme, hq, banda, diretor, ator, etc. Muitas vezes, a vivência disso junto ao fandom – grupo de pessoas que são fãs de determinada coisa em comum – direciona praticamente toda a vida do fã, desde os amigos, a profissão, entre outras coisas.  

Segundo Carolina Dantas, a produção do documentário tinha o anseio de mostrar as fangirls por um outra lógica, diferente do que outros trabalhos mostram. A ideia era não mostrar as fãs com estereótipos como obcecadas e irracionais. 

O ato do consumo de itens dos ídolos carregada um desses inúmeros julgamentos estereotipados direcionados às fangirls. Essa prática comum entre elas é considerado para muitos como um comportamento fútil. Mas, ficar horas em filas, usar economias para comprar ingressos, itens de coleção, cds, livros e uma infinidade de produtos, fazem parte da vida dessas meninas. É o que Gabriela Quaglia e Barbara Rodrigues nos relatam.

Gabriela é Poterheard há 11 anos. Conheceu a saga aos 7 anos por meio de sua irmã. Ao todo, possui 37 itens, contando com camisetas, livros e objetos. Além de itens, possui também uma tatuagem em homenagem a Harry Potter.

“Tenho uma tatuagem que eu fiz em homenagem a saga, mas que possui um valor muito grande para mim. Tatuei as relíquias da morte porque um dos ensinamentos de Harry Potter é encarar a vida com bravura, aproveitar todas as coisas boas possíveis e enfrentar os desafios no caminho”. Conta Gabriela

Quando indagada sobre “o que significa ser uma potterhead”, descreveu como a saga mudou sua vida em vários sentidos, seja por meio da leitura e pelos ensinamentos sobre diversidade, amizade, respeito, coragem, altruísmo, empoderamento feminino. Para ela, a J.K – escritora da saga – “aborda temas importantes em um mundo de fantasias”. Quando entra no mundo Harry Potter, sente-se extasiada.

Gabriela alega nunca ter sofrido discriminação por ser uma fangirl, e acha que isso ocorre pelo fato de que a maioria dos fãs de Harry Potter que conhece ser mulheres. Ela revela que a situação mais chata que passou foi quando lia o livro no transporte coletivo e uma senhora a abordou dizendo que era coisa de criança.

Já a lovatic Barbara Rodrigues, que virou fã da demi lovato ao assistir séries da Disney, afirma que acha normal ser fangirl, diz ter muitas amigas que são e seguem desde artistas nacionais a internacionais. Mas confessa que às vezes surgem brincadeira com esse fato. “nunca foi nada que me desrespeitasse, sempre levo na brincadeira”.

Sobre os itens que já adquiriu de sua ídola, além de cds, livros, blusas, bottons, pulseira, Barbara também foi ao show da Demi, e por ter passado o dia inteiro na fila, teve oportunidade de conversar com pessoas que compartilhavam das mesmas coisas.  

“Acho que a imagem dela – Demi Lovato – nunca vai sair da minha mente, porque considero aquele dia um dos melhores da minha vida.” Declara a fã.

Ela confessa que antes comprava os itens apenas pela euforia de tê-los, mas hoje, leva como lembranças de uma época muito boa, por isso ainda guarda algumas coisas como uma blusa apertada que comprou no show.

Além da compra de itens, outro comportamento ligado ao universo fã, são as amizades e experiências compartilhadas entres os fandoms. Por meios desses grupos, as fangirls compartilham seus sentimentos, emoções, vivências, sensações, construindo uma relação íntima.  

Antes de ir ao show, Barbara encontrou pelo twitter um grupo de meninas, que também iriam. Elas se conheceram no dia do show e fizeram uma amizade muito forte que se mantém até os dias atuais. “São pessoas que realmente marcaram minha vida”

A amizade feitas nos fandoms, para Carolina Dantas, ajuda empoderar as meninas. Por meio dos fandoms, elas dividem experiências, compartilham conhecimento, aprendem e curtem juntas. “Porque é isso, sabe? Fandom é uma experiência coletiva e quando você acha mais alguém que gosta da mesma coisa que você e ainda cresce, em algum aspecto, junto, é maravilhoso!”. Para ela, o melhor de tudo foi ver que a experiência de fandoms para as fangirls cria laços entre mulheres e meninas.

Com relação ao consumo, Carolina enxerga que para o fã não é apenas comprar alguma coisa, esse ato está carregado de significado. Ao consumir, o fã sente-se parte daquele universo, guarda um pedaço deste e a experiência com ele. Os itens colecionáveis, limitados, exclusivos criam uma espécie de ambiente de culto, torna palpável algo que lhe faz bem. Fã gosta de apoiar e muitas vezes o consumo está ligado a essa ideia

Mas, juízos diferentes são atribuídos para as mulher e os homens na ação consumo. Carolina alega que para os homens, o consumo de produto culturais, quase sempre, adquirirem características cult, enquanto para o público feminino, os mesmo produtos são considerados de massa mainstream – comum ou usual, lugar comum. As fangirls são apontadas como consumidoras “passivas” e vulneráveis à sedução dos produtos.

A diferença de gênero no universo fã demonstra como o machismo está em todos os âmbitos sociais. Por isso é tão importante mulheres assumam espaços e lutem por respeito e igualdade. O que se espera é que fangirls continue se empoderando e que não tenham medo de declarar o amor por seus ídolos por conta dos estigmas, julgamentos e estereótipos estabelecidos a elas. Trabalhos como “fanGIRL’S PROBLEMS” são fundamentais para que a equidade de gênero seja alcançada. As mulheres têm vozes, e elas precisam ser anunciadas e escutadas.