Se a representação feminina nos quadrinhos sofre constantemente com padrões estéticos distorcidos e consequentemente situações preconceituosas relacionadas ao gênero, com a mulher negra essa representação nos quadrinhos é ainda pior.
Então, não é exagero dizer que as mulheres negras enfrentam duas vezes mais preconceitos e barreiras para conquistar seu espaço no mercado de trabalho, por isso, hoje vamos falar especialmente das mulheres negras que foram pioneiras em uma mídia/arte que faz parte da vida de inúmeras pessoas em todo o mundo: as Histórias em Quadrinhos (HQs).
A primeira que destacamos é a estadunidense Jackie Ormes, nascida no ano de 1911, em Monongahela, Pensilvânia, ela é considerada a primeira mulher negra a publicar suas tiras em jornais, nos Estados Unidos. Depois de se formar, em 1930, pela Monongahela High School, em Pittsburgh, Ormes trabalhou como repórter freelancer e revisora para o Pittsburgh Courier, um jornal semanal afro-americano que saía todo sábado. Publicou quadrinhos entre os anos de 1937 e 1954 e deu preferência às personagens femininas negras, tratando temas que são polêmicos até os dias atuais, às vezes com humor e às vezes de forma séria.
Foi no Courier, em 1937, que publicou sua primeira tira de quadrinhos, “Torchy Brown in Dixie Harlem”, numa representação bem humorada, Ormes conta a história de uma jovem negra do Mississippi que busca por novas oportunidades nas metrópoles do norte, onde ganha fama como cantora. A jovem representa a primeira personagem negra independente.
Pesquisando sobre cartunistas no Brasil, nos deparamos com uma grande dificuldade em encontrar informações a respeito. O pouco que conseguimos foi através de uma matéria de divulgação da revista PLAF, uma nova revista sobre quadrinhos, que tem como foco a produção autoral e a diversidade temática, abordando desde autores brasileiros até produções estrangeiras, que você pode adquirir aqui.
Encontramos que a pioneira é Maria Aparecida Godoy que nasceu em Guaratinguetá, SP e fez sucesso em um gênero bem diferente: o terror. Escreveu roteiros para HQs nas décadas de 1960 e 1970, para as revistas Calafrio e Mestres do Terror, explorando “crendices populares” do interior de São Paulo. Godoy fez uma espécie de resgate do folclore brasileiro, com seus roteiros originais e regionalistas. Uma mulher negra, roteirizando HQs de terror, durante um dos períodos mais tensos da nossa história, a Ditadura Militar.
Continuando nossa pesquisa, nos deparamos com Marguerite Abouet, originária da Costa do Marfim, nascida na cidade de Abidjan, no ano de 1971, é uma das negras que têm se destacado na atualidade. Aos doze anos foi para Paris com seu irmão mais velho com o objetivo de estudar, lá conheceu a profissão de escritora enquanto trabalhava de babá, servente e operadora de dados. Abouet, que era assistente jurídica, largou o emprego para se dedicar somente aos quadrinhos. Hoje vive com Clément em Romainville na França.
Aya de Yopougon é uma HQ da Abouet, que fala de uma África muito viva, longe dos clichês da guerra e da fome, conta o cotidiano na costa-marfinense no fim dos anos 70 e é um pouco do que a própria autora vivenciou, abordado de uma maneira sensível e cheia de humor. A beleza de Aya está nas cores africanas e nos sabores que saltam das páginas, como o aroma da sopa de amendoim, cuja receita, pode ser lida no “bônus marfinense” ao final do livro.
No dia 17 de julho de 2013, foi lançado na França o desenho animado Aya de Yopougon, uma animação, que tem 1h42min, produzida pelos estúdios Autochenille Production e Banjo Studio, que se baseia na série de quadrinhos.
Recentemente, na revista Risca!, uma iniciativa do Lady’s Comics, cujo tema geral foi “Memória e Política das Mulheres nos Quadrinhos”, dedicou-se um artigo justamente a essas mulheres. Esse resgate da memória da mulher negra é especialmente significativo. Não se trata apenas de contar a história dessas mulheres mas também de construir uma identidade para a mulher negra dentro de um nicho do mercado de trabalho em que ela ainda está em número reduzido. Das pioneiras às jovens artistas e roteiristas elas são, para muitos, personagens anônimas.
Fontes: