Marina de Luca quer inovar o jeito como vemos e produzimos a moda. Com seu projeto Moda Limpa e com a ajuda de seus cofundadores, Kaio e Julio, pretende mostrar que é possível fazer a diferença de maneira sustentável unindo fornecedores e produtores de moda que trabalham sem a produção excessiva de lixo e com materiais de baixo impacto ambiental. Confira a entrevista completa a idealizadora:
COMUNICAUEM: Quando e como surgiu esse interesse de reciclar, diminuir a produção de lixo, e consequentemente iniciar o projeto Moda limpa?
Marina: Depois de ter trabalhado como estilista dez anos no mercado convencional da moda, teve um período que meu trabalho se reduziu a convencer as pessoas a comprarem mais. A partir disso, percebi que o que fazia diariamente era muito prejudicial para as pessoas e para o meio ambiente. Comecei, então, a me questionar sobre a destinação dos produtos, como o descarte das roupas, os resíduos de pré-produção e quanto ganhavam esses trabalhadores. A ideia surgiu após muitas pessoas me questionarem onde adquirir matérias primas com menor impacto e por já conhecer alguns fornecedores, devido as minhas pesquisas, e então criei um google docs com a agenda desses fornecedores que eu já tinha e que fosse colaborativo para que aqueles que tivessem contatos pudessem acrescentar. O projeto foi crescendo e o Kaio (responsável pelo negócio) e o Julio (programador), que hoje são meus sócios, viram o post da agenda no google docs, se comoveram com a ideia e, assim, transformamos isso em um site.O objetivo é ser um negócio social, em que se vende um produto ou serviço gerando lucro e esse lucro é reinvestido na sociedade causando um impacto positivo na sociedade, a plataforma do Moda Limpa. Mas ainda não estamos comercializando nada.
COMUNICAUEM: Como se dá o processo de conexão entre os fornecedores e a outra parte que gere a produção da moda?
Marina: Bom, a conexão entre os fornecedores e as marcas é justamente o site. Se você tem uma marca e quer produzir de forma mais sustentável, por exemplo, basta fazer sua busca no site e aparecerá uma lista de pessoas que fornecem a matéria prima de menor impacto no Brasil. O Moda Limpa, assim, oferece o contato das pessoas, das marcas e dos fornecedores, mas a escolha da matéria prima, o motivo, a forma que vai ser usada ou vendida fica por escolha da marca. Se você é um marca, por exemplo, que já trabalha com algumas práticas ou produtos finais mais sustentáveis você pode indicar no site quais são seus fornecedores para que outras pessoas possam usar os mesmos fornecedores e assim o impacto no planeta ser um pouco menor. Caso você seja um fornecedor também poderá se auto indicar. Tudo isso para proporcionar ao consumidor final opções mais conscientes e para que outras marcas possam se conectar e trocar boas práticas.
COMUNICAUEM: Toda a gama de segmentos possíveis na conscientização sobre o consumo sustentável, por que escolher o campo da moda?
Marina: Porque sou estilista, trabalho há mais de dez anos na moda e é onde eu mais tenho conhecimento e estudo para discutir. Nos outros campos, na verdade, procuro pessoas que sirvam de referência para mim, porque é impossível uma pessoa só saber de todos os assuntos sobre consumo sustentável e sinto que a minha responsabilidade de transformação no mundo é onde eu conheço mais: a moda.
COMUNICAUEM: Sabemos que um dos objetivos da Moda Limpa é incentivar o consumo consciente de produtos e serviços, isso se reflete na sua vida e para a vida pessoal de sua equipe? Como organizam em suas rotinas e práticas de consumo?
Marina: É impossível não refletir sobre o assunto em outros âmbitos na vida, então, quando comecei a pesquisar tudo isso eu comecei um processo de transformação que é intenso, continua acontecendo e, mesmo assim, ainda tenho muito chão para me transformar pela frente. Mas, nos últimos três anos as grandes mudanças que aconteceram foram: parei de consumir roupas, acessórios e produtos de moda; quando eu preciso ou quero comprar alguma coisa me pergunto se realmente preciso daquilo, se já não tenho algo similar, se eu posso pegar emprestado ou alugar e se todas essas respostas forem não me pergunto, ainda, se posso comprar usado em brechó ou lojas de repasse, se há uma marca pequena que eu conheça o produtor e que seja produção local, da qual inclui um preço justo e transparente do produto; mas em últimos casos busco marcas brasileiras ou estrangeiras, em que eu possa ter acesso sobre informações das marcas de menor impacto. Em relação a minha equipe, posso dizer que Julio e o Kaio passaram a reduzir a quantidade de compras e consumo e pensar melhor antes de comprar, mas não consigo te passar mais detalhes.

Marina de Luca com os cofundadores Kaio Freitas e Julio Almeida do projeto Moda Limpa (enviada pela entrevistada)
COMUNICAUEM: O mercado da moda é algo que muitas vezes é tratado como um ‘mercado descartável’ se faz principalmente pela necessidade do consumo atual, alta rotatividade, baixa duração de produtos e constantes mudanças de tendências. Além da iniciativa com a conexão entre pessoas amigas do meio ambiente, como você acha que o modelo de produção da moda pode ser mudado?
Marina: Já tem acontecido várias iniciativas que eu acredito muito e que não tem a ver com o consumo mercadológico de roupa, como: a biblioteca de roupas, as feiras de trocas, o faça você mesmo ou “movimento maker”,onde a gente aprende e se empodera ao concertar e cuidar melhor das nossas roupas. Há, também, outras marcas com práticas inovadoras que desenham um produto, fazem uma peça piloto e disponibilizam num site de crowdfunding, em que clientes compram antes de ser produzido e depois que as marcas atingem o número mínimo de peças vendidas eles encerram as vendas e produzem pra aqueles que compraram. Outras possibilidades são as máquinas 3D ou as de tricô, da qual a peça sai pronta através de programação e também são personalizadas, evitando as sobras de estoque e resíduo.
COMUNICAUEM: Há outros projetos que possam transmitir a conscientização do consumo sustentável para que mais pessoas possam aderir e promover ações a favor desse ideal?
Marina: Bom, o próprio Moda Limpa tem mais projetos além do site, como consultoria para marcas e empresas, fazemos eventos e estamos fazendo uma parceria com a GVCES, que é o Centro de Estudos em Sustentabilidade da GV aqui em São Paulo. Leciono, além disso, em cursos de moda para iniciantes, focado em novos caminhos da moda e os reais impactos dela hoje para justamente despertar nessas pessoas que querem entrar nesse mercado, que vão ser os futuros profissionais na moda, uma sementinha de transformação. Trabalho, também, como voluntária no Fashion Revolution Brasil, em que sou coordenadora de comunicação nacional e realizo consultorias com o Grupo de Cooperativas de costureiras, em que se trabalha com economia solidária juntamente com o Instituto Design Possível, aqui. Atuo, também, na ONG Aliança Empreendedora, que tem um projeto com imigrantes da América Latina que trabalham no mercado têxtil em situação de vulnerabilidade.
COMUNICAUEM: Por fim, há outras mensagens que seu trabalho e seu site querem passar ao público além do que tange o consumo sustentável nas formas de produção no ramo da moda?
Marina: Olha, acho que sempre temos que nos questionar e se olhar, parar o que estamos fazendo: a correria, a rotina, o padrão e olhar pra dentro. Nesse momento que você se identifica, se conhece de verdade. Reduzir a velocidade, o consumo, a quantidade comida, enfim, tudo. Não é preciso ter muito de tudo. Aliás, temos que acreditar na teoria da abundância e não da escassez, da qual pensamos que não há produtos para todos e que pela falta vamos acumular, mas que é exatamente por acúmulo que falta para o mundo. Por isso, se acreditarmos que há elementos suficientes para todos e que não é preciso guardar, teremos mais produtos circulando no mercado à oferta de todos. Mas acima de tudo, temos que falar sobre diminuir a produção e o consumo. Então, temos que comprar menos para que as lojas produzam menos e, assim, pagarmos um preço mais justo, isto é, um preço mais alto do que estamos acostumados a pagar em “magazine fast fashion”, proporcionando peças que durem e sejam mais versáteis.

Moda Limpa como elo entre fornecedores e produtores da moda (Reprodução/Moda Limpa)
Confira mais sobre moda sustentável acessando a entrevista da Débora Nardello idealizadora da marca de roupas Lusco fusco em que pensar no consumo sustentável nunca sai de moda! Clique aqui para ver conversa completinha.