Durante a 3ª Festa Literária Internacional de Maringá (FLIM), Jéssica Sanz lançou seu primeiro livro, A Guerra do Tempo – da trilogia Maya Fujita. Conversamos com a escritora, estudante de Letras pelo Instituto Federal Fluminense, que nos falou sobre seu livro de estreia, sua carreira, a situação do mercado para escritores independentes, as tendências do mercado editorial brasileiro e como isso afeta ou afetará futuras gerações de leitores.
ComunicaUEM – Fale-nos um pouco sobre a história da trilogia e sobre a personagem Maya Fujita.
Jéssica: O primeiro livro, especificamente, conta a história de como ela se tornou uma heroína. Ela chega no mundo [dela] e acha que esse mundo vai ser perfeito só porque nele há magia, mas na verdade não é, pois as pessoas são más e podem até mesmo usar a magia para fazer coisas ruins. Ela vai descobrindo isso de formas terríveis: primeiramente, o melhor amigo dela é convocado para o exército e ela fica se perguntando o porquê de um reino pacífico estar fortalecendo seu exército, e junto com seus amigos ela quer investigar sobre. Depois, ela descobre que há uma grande ameaça sobre seu reino e ela (Maya) é a única pessoa que sabe pessoa que sabe disso, a única que pode fazer algo para impedir que seu reino seja destruído. E, claro, acontece a Guerra do Tempo e é nesse momento que ela se torna uma heroína. O segundo e terceiro livros são sobre as missões dela como heroína, sempre tentando salvar seu reino ou seu mundo, indo atrás de pistas, e tentando fazer tudo ficar perfeito.
Quais são suas referências literárias? Em que se inspirou para escrever o livro?
As minhas referências literárias são três. Primeiro, Rick Riordan, que me inspiro muito em relação à criatividade, devido a mistura que ele faz entre a mitologia greco-romana com o mundo atual, com o mundo escolar e adolescente. É uma mistura maravilhosa e muito criativa, e eu acho maravilhosa essa questão da criatividade. Outra influência na escrita é Pittacus Lore, autor de “Eu Sou o Número Quatro”, gosto de como ele narra as coisas. E por último, por eu ser uma autora independente, pego muito da autora Camila Liberato, autora brasileira de Os Legados de Lorien, que também é uma trilogia de fantasia.
Como foi seu processo criativo do livro? Da criação, realmente, demorou muito tempo?
Esse livro eu não escrevi sendo um livro, eu o escrevi de uma forma bem interessante: a minha irmã gêmea buscou um jogo RPG e que tivesse magia. Ela o achou, e não era muito fascinante, tinha um gráfico de desenho e não dava pra fazer muita coisa. Só podia plantar, era um jogo basicamente de plantar. Só que a grande graça do jogo era conhecer as pessoas que também jogavam: entrava no chat, conversava, compartilhava experiências, falando sobre o dia a dia e sobre coisas do jogo que eram interessantes. Eu sempre falei: “Nossa, Jhennyfer, você tem amigos muito legais no jogo”. Eu também jogava, mas ela jogava mais, tinha mais amigos. Eu falava: “Jhennyfer, você podia escrever uma história! A gente podia escrever sobre essa galera legal que você está conhecendo”. Mas ela nunca dava muita importância, apesar de gostar do jogo porque seu melhor amigo também o jogava, o Lucas. Mas quando ele foi convocado para o exército ela ficou muito triste. Lucas apagou a conta e foi embora, então o primo dele assumiu a aldeia no jogo. Foi quando eu falei: “Jhennyfer, agora sério, temos que escrever uma história sobre isso!”, foi a gota d’água. Então começamos a escrever em um blog, um capítulo por dia. Postávamos a história de como ela conheceu os personagens e os amigos virtuais. Eles mesmos iam trocando e dando ideias. Terminamos o primeiro livro e já começamos o segundo, mas só fomos até a metade. Então nossos amigos virtuais ajudaram a concluir a ideia do segundo livro e colaboraram, principalmente, com a ideia do terceiro livro, que [até o momento] não chegaram a conhecer. Hoje a gente nem joga mais, mas às vezes nos falamos. Esse livro, na verdade, foi muito espontâneo.
Eu me inspiro em tudo o que acontece na minha vida. Vários episódios que acontecem na série aconteceram na minha vida. Por exemplo, o terceiro livro será dividido em quatro missões e uma delas foi inspirada completamente em uma viagem que eu fiz para Foz do Iguaçu, se passam vários dias, e cada dia é o que aconteceu na viagem. Um dia que eu fui para as Cataratas e depois, coloquei magia e toda a questão criativa. Esses dias também postei na minha página uma história inspirada em um vendedor de vassouras, que vi quando estava no ônibus, acrescentando que ele vendia vassoura para as bruxas e uma personagem queria e precisava de uma vassoura… Enfim, criei uma história fantástica totalmente inspirada a partir do cara que estava vendendo vassouras. Tudo o que existe à nossa volta pode virar uma história, seja criando fantasia ou não, você pode descrever uma feira com pessoas andando, ou pode dizer que na feira tem magos. É uma coisa maravilhosa: você pode criar baseado no que não existe, como fadas, ou pode inventar uma criatura diferente.
Seguindo essa linha de escritores independentes, quais são os maiores desafios de ser escritor, principalmente independente, sabendo das dificuldades, por exemplo, do hábito de leitura da maioria da população e falta de incentivos para os profissionais da área?
É muito complicado, porque para você começar a ser um autor independente, você tem que ter como investir nisso. Muitas vezes, é necessário pegar empréstimos, pedir ajuda de amigos e de familiares para conseguir investir. Por exemplo, minha primeira tiragem foram apenas 100 livros e, quanto menor a tiragem, mais caro sai a unidade do livro. Ficou bem caro. Também não há informação para os autores que eles podem ser independentes, sem precisar de editoras; não há informação de como eles podem se tornar independentes e como fazer para registrar a obra, e para entrar no mercado. Então os autores acham que têm de ir atrás de editoras e elas não estão abrindo espaço, ou não são confiáveis, ou são pagas, ou não dão chances para novos autores, ou tudo isso junto. A divulgação também é muito difícil, tem que ir em feiras, estar junto do público. E é complicado fazer isso principalmente pra quem tem uma vida além de escrever. Eu, por exemplo, faço faculdade mas tenho que ficar indo a feiras e ter dinheiro para investir em espaço, que muitas vezes não é de graça, sem falar dos custos de transporte, alimentação, a faculdade. Mas tem que ter força de vontade.
Você acha que a Internet ajudou? A interagir com o público, por exemplo.
Nossa! A Internet é uma ferramenta maravilhosa, não tinha percebido até vir aqui. Na verdade, essa é minha primeira feira fora da nossa cidade. Primeiro, o canal no Youtube: canal literário para os autores é uma coisa muito importante porque você falando sobre literatura, você sempre acaba divulgando sua obra, aquilo que você faz, e as pessoas conhecem você e falam “nossa, ela é tão legal, será que o livro dela é legal?”; se interessam, conhecem. Quem gosta de livros está sempre atrás de eventos literários e páginas no Facebook, então ter espaços que falam sobre isso é um atrativo e a Internet tem ajudado muito. Quando a gente divulga, por exemplo, na página da feira, que estaremos aqui, tem gente que vem sabendo: “ah, já ouvi falar da Guerra do Tempo”. É uma ferramenta maravilhosa.
Você acha que o Brasil é realmente um país sem o hábito de leitura? Como poderíamos mudar isso, principalmente em relação às crianças?
Eu acho que ele poderia ser bem melhor. Existem muitas pessoas que leem, tem público de leitura sim. Mas ainda tem um público ainda maior que não lê. Quando a gente fala “ah, não tem público de leitura”, na realidade tem, mas é muito escasso e a grande maioria do público leitor não se interessa em autores nacionais ou independentes, não sabe, não tem conhecimento, não procura, e acha que literatura boa vem só dos autores internacionais, os autores de destaque americano. Não tem divulgação, o Brasil não dá esse apoio aos autores e às editoras ou independentes. No Ensino Médio, por exemplo, e até no Fundamental, quando o aluno lê, ele lê livros clássicos. Ele vai achar que a literatura brasileira são só aqueles livros, o qual muitas vezes tem uma linguagem muito maçante para alunos que estão acostumados a falar usando gírias e essas coisas. Falta esse incentivo: falta as escolas darem para esses alunos leituras que possam ser interessantes para eles, que têm linguagem fácil, que contem mais sobre o que eles estão mais acostumados ou sobre livros de fantasia, que são viagens boas para se fazer.
Qual sua opinião sobre essa nova leva de youtubers que publicam livros? Pode ser um caminho para criar um hábito de leitura entre os jovens?
Excelente pergunta! É uma questão muito controversa. No começo, eu achava horrível: “Nossa, eles estão pagando muito caro por livros de pessoas que não escrevem”. Livros feitos por ghost writers. A Kéfera, por exemplo, não é escritora: ela é youtuber, ela é atriz. Ela pode até escrever, pode até escrever bem, mas não é a principal atividade que ela exerce, enquanto os autores cuja principal atividade é escrever não estão sendo valorizadas. Citei a Kéfera porque tenho um livro dela, que comprei porque foi um dos primeiros livros de youtubers a serem lançados, então eu não sabia que ia ser essa febre, eu não sabia que ia ter tanto livro de youtuber. Se eu soubesse, acho que não teria comprado. “Ah, você está comprando porque todo mundo está comprando?”. Não foi por isso, comprei mesmo porque gosto dos vídeos dela e no começo achava bem ruim isso de “porque um youtuber publicou, agora todo mundo vai lançar, todo gamer vai lançar”. Só que ultimamente eu tenho visto o quanto está sendo interessante para o mercado. Antes, era composto somente de autores internacionais, mas agora, ao menos, está havendo destaque para autores nacionais, ainda que não sejam principalmente escritores: tem youtuber, tem os gamers. Estão voltando os olhos para os jovens, para as crianças, para a literatura brasileira e não somente para livros clássicos, como Machado de Assis. Também tem a questão das editoras: o jeito de incentivar a leitura brasileira aos poucos, assim as pessoas, que olhavam para os livros estrangeiros, americanos e agora para livros brasileiros, de youtubers, daqui a pouco estarão olhando para todos livros nacionais, até de autores independentes.
Por você fazer Letras-Literatura no Instituto Federal Fluminense (IFF) e ter lançado seu primeiro livro recentemente, você tem um gosto especial pela leitura. Então, para finalizar, na sua opinião o que há de mais fantástico na literatura?
Olha, literatura é o que te faz viajar para outro mundo sem sair do lugar, nunca para um mundo, mas para vários mundos. Faz você entrar na pele de várias pessoas, homens, mulheres, jovens, crianças, adultos, e todos os tipos de pessoas, todos os tipos de personagens. Você entra e vive várias vidas, conhece vários lugares que existem e que não existem, e você nem pode provar que não existem, na verdade, vai que existe? Vai que existe Mirai [local onde se passa a história de sua trilogia], não é? O que existe entre a verdade e a mentira da forma a verdade. Então é fantástico isso, você mergulhar nessa questão de riqueza de detalhes, imaginar e não se apegar somente ao que você vê, como faz o cinema… Sem menosprezar o cinema, gosto muito de ver filmes, mas é uma experiência diferente, são mundos diferentes. A literatura é diferente pois aquece a imaginação, você tem que trabalhar a sua mente, pegar o que está escrito ali e interpretar, entender e imaginar e, assim, você vai vivendo de uma forma muito maravilhosa.
Entrevista: Aline Namie e Kevin Moraes.