A graduanda Jéssica Hahn, realizou algumas perguntas para a Profª Drª Valéria Soares de Assis partindo de sua experiência profissional e acadêmica e englobando alguns dos problemas e dos temas abordados em suas pesquisas. Confira:

1. Qual o seu período de docência e quais disciplinas ministradas no curso?

Prof.ª Valéria: Sou professora na UEM desde 1995 e no curso estou envolvida desde que ele começou a funcionar, fiz parte da equipe que elaborou a proposta do curso, portanto desde 2007 penso no curso desde que ele começou a ser gestado, até ele ser aprovado em 2009, sendo em 2010 a primeira turma. As disciplinas que eu ministro são: política e legislação em comunicação social, essa eu sempre trabalhei, mas também trabalho com as disciplinas optativas, como antropologia do consumo, antropologia da comunicação e esse ano eu comecei a trabalhar com estética.

2. Quais são as principais linhas de pesquisa que pratica?

Prof.ª Valéria: Eu sempre trabalhei com cultura material, este é meu foco de estudo. Inicialmente trabalhava com o foco antropológico da cultura material e depois eu comecei a transitar com o eixo da comunicação. Eu trabalho com cultura material mas com suas formas expressivas no âmbito da comunicação, ou seja, a comunicação pela via material, como ela ocorre.

3. De que maneira a senhora estabeleceu contato com o curso de Comunicação e Multimeios? E quais os desafios que se deparou e ainda encontra dentro do curso?

Prof.ª Valéria: Com a criação da comissão para a criação do curso de comunicação, me envolvi pois tinha o interesse de criar um curso novo, com uma nova perspectiva dentro da ciências humanas, com este viés inovador e contemplando as nossas perspectivas com um foco mais contemporâneo. Entramos em contato com cursos que tinham relação com multimeios, visto que ele está dentro de propostas contemporâneas e esta visão moderna de como pensar o humano, de como pensar a comunicação, estava mais contemplada e melhor gerido, por isso começamos a elaborar e trabalhar dentro desta perspectiva. Atualmente temos como maior desafio ter um corpo docente permanente para executar a proposta de curso, hoje trabalhamos com professores temporários que possuem um contrato pequeno, quando começam entender como funciona o curso o contrato dele acaba e temos que contratar um novo professor e tudo se repete. Isto é muito desgastante, assim se tivermos um corpo docente o curso terá uma evolução mais eficaz.

4. Qual seu entendimento acerca da palavra ‘Multimeios’?

Prof.ª Valéria: Multimeios é uma expressão polissêmica, pode significar diferentes possibilidades dependendo da perspectiva. A perspectiva que prefiro é pensar multimeios como uma possibilidade de mensagens que podem ser lidas de múltiplas formas, ter uma estrutura que possibilita para uma mente qualquer fazer uma leitura simples ou uma leitura sofisticada, rica, complexa. Na maioria das vezes é pensado multimeios associando plataformas digitais como por exemplo: um texto verbal que pode conter um link que direciona a um texto sonoro, que pode portar um texto audiovisual (uma fala; um movimento). Isto é uma possibilidade, mas é
possível pensar multimeios fora de plataformas digitais e é função do profissional de comunicação e multimeios criar coisas em que possibilite ao outro uma leitura multimeios, por exemplo você pode pensar em uma comida multimeios, que faça uma combinação multimeios, a comida possuindo uma comunicação visual, uma
comunicação de cheiro e de sabor. Quando entra em contato com essa comida você está fazendo múltiplas leituras combinadas e que você consegue entender a proposta daquela comida. É um exemplo um pouco anormal, mas ajuda a compreender que é viável pensar multimeios fora de uma plataforma digital. Considerando inúmeras formas de comunicação e estas combinadas permitem uma melhor comunicação é
importante para um futuro comunicólogo, que está pensando em multimeios, visto que pensando desse modo e propondo uma saída comunicacional mais efetiva, explorando diversas possibilidades de linguagem associadas.

5. Como foi/é a experiência no curso? O que mudou em sua visão e/ou vida?

Prof.ª Valéria: Eu era professora na instituição lecionando em diferentes cursos, por exemplo a disciplina de metodologia de pesquisa, eu ministrava apenas para uma turma, era uma coisa muito isolada, não havia uma ligação mais forte com qualquer curso. Entretanto com o curso de comunicação, isso mudou completamente, eu visto a camiseta do curso, a minha forma de relacionamento com os alunos mudou muito, estou mais conectada
com os alunos, me importo com eles, eu gosto de saber o que estão fazendo, o que não estão fazendo, o que estão sentindo, como estão, como não estão, me preocupo as vezes até excessivamente. E eu mudei também, me tornei uma pessoa mais sensível com o outro, antes era uma relação simplesmente profissional, fria e agora a relação é afetiva. Eu acho que me tornei uma professora melhor para os alunos.

6. Por que a senhora escolheu comunicação como um dos seus objetos de pesquisas? O que motivou a senhora?

Prof.ª Valéria: Justamente o que ampliou minha possibilidade de exploração no objeto de pesquisa, que é a cultura material, está em confluência com as leituras contemporâneas do campo da filosofia, sociologia, antropologia e todos esses campos são papel central da comunicação pensando no contemporâneo. Mas não estou me referindo à comunicação do senso comum, que associa comunicação de massa, me refiro à comunicação no sentido amplo, que afeta diferentes esferas, inclusive do ponto de vista ambiental. As discussões contemporâneas sobre o antropoceno, destruição do planeta que têm relação por exemplo, com os meus estudo de consumo, demonstra como a comunicação ajuda na compreensão desses processos, porque estamos em comunicação com o planeta, o planeta está em comunicação conosco e não estamos fora do planeta. E essa comunicação é importante para conhecermos esses processos que estão ocorrendo e nesse sentido percebo como a comunicação nas minhas pesquisas foi importante.

7. Qual sua visão sobre a relevância de um observatório de mídias acadêmico?

Prof.ª Valéria: O observatório surgiu da disciplina de política e legislação em comunicação social, uma vez que percebemos que o tempo de uma aula não era suficiente para pensar e discutir o que é veiculado na mídia massiva e também era de grande interesse dos alunos do curso. Resolvemos fazer um experimento e ele deu certo. Iniciamos no segundo ano do curso o observatório e este artigo é resultado de um projeto de pesquisa de iniciação cientifica junto com o Cesar e com esse projeto conseguimos fazer um balanço sobre o impacto que a comunicação massiva tem na vida cotidiana brasileira e como é necessário e importante a gente ter uma educação para comunicação. Um processo de educação para refinar o olhar sobre o impacto e a importância de ter uma consciência da construção dos conteúdos jornalísticos na vida cotidiana. E o observatório continua fixo, as pessoas percebem a importância desse encontro, então quinzenalmente nos reunimos e conversamos sobre conteúdos que estão em divulgação pela mídia massiva, e os resultados têm sido bem positivos.

8. A senhora acredita que hoje em dia, o observatório criado pelo curso conta com uma adesão satisfatória? E quanto a periodicidade, é adequada?

Prof.ª Valéria: Sim, a periodicidade é adequada, o que não é adequado é o espaço que temos e o tempo, precisamos de um espaço mais adequado e um tempo maior para podermos discutir as coisas, visto que atualmente nos reunimos em sala de aula ou em um auditório, o espaço ideal seria um que fosse nosso, uma arena, para que pudesse estar em círculo conversando, trazendo conteúdos áudio visual para debater. Quanto a periodicidade de 15 em 15 dias é bom, as vezes é muita coisa que acontece e sobrecarrega, entretanto é o possível dentro da agenda de todos que participam, provavelmente se fosse realizado toda semana não daria certo, esvaziaria. Então, é um tempo interessante para o pessoal tomar folego, é claro que existe uma rotatividade, algumas pessoas não comparecem em todos os encontros, no entanto funciona bem.

9. Quais os temas principais e por que a senhora acredita que eles são importantes para discutir nesse ambiente de observatório acadêmico e também no curso?

Prof.ª Valéria: No observatório é discutido tudo que repercutiu na mídia massiva, o que chamou atenção do grupo que participa, e são alunos, ex-alunos que estão presentes que fazem a seleção, não definimos previamente temas. A discussão permeia tanto conteúdo de entretenimento quanto conteúdo jornalísticos, quanto conteúdos que teve grande circulação nas redes virtuais. Apesar de não limitarmos a temas específicos acaba se falando muito de conteúdos jornalísticos, de política por conta da própria produção jornalística que fala muito de política e pelo observatório estar muito ligado à disciplina de política. Mas depende muito do público, os temas sobre gênero, política e juventude por exemplo são os mais recorrentes. Portanto, acerca de temas depende da demanda dos próprios alunos e participantes do observatório. E também existe discussão sobre a universidade!Nesses momentos mais críticos de greve, de problemas de infraestrutura é discutido como as informações estão circulando, como a informação circula dentro da universidade e assim nos ajuda a entender as políticas e as práticas universitárias. Sendo assim o movimento estudantil é muito discutido no observatório, dessa maneira o âmbito político da universidade também é objeto do observatório.

10. Qual a relação do curso de Comunicação e Multimeios, consumo, antropologia e Foucault?

Prof.ª Valéria: Começando por Foucault, pois ajuda a pensar essas articulações todas. Existe um aspecto da produção de Foucault que é sobre as relações de poder, demonstrando que o poder está vinculado às relações, o poder não é uma coisa é uma força que se exerce nas relações, e essa está vinculada com o saber, o saber por sua vez circula pela comunicação, e dessa forma percebemos como a comunicação e o poder estão intimamente atrelados. Relações de poder são relação que são entrelaçadas com a comunicação e a forma como as coisas são comunicadas contribuem para o estabelecimento de relações de poder. Foucault contribui bastante para entendermos o papel da comunicação, por exemplo, nas relações de poder instituídas na sociedade, no porque existe um fascínio tão grande pela comunicação e porque existe em âmbito nacional tantos políticos donos de empresas de comunicação, ou fortemente vinculados com empresas de comunicação. Portanto mostrar isso aos alunos e faze-los perceber essas tramas, me parece importante e fundamental. Quando eu estudava consumo é que tive contato com Foucault e trabalho nos estudos de consumo, pensando no viés antropológico, sempre trabalhei muito com conteúdo de publicidade que é uma das produções da comunicação, e na publicidade consegui perceber a articulação entre relações de poder, consumo e comunicação e por isso trabalhei bastante com os alunos em antropóloga do consumo essas articulações. Meus trabalhos acabaram mostrando isso, o primeiro trabalho que fiz mais as articulações foi com alunos de iniciação cientifica da primeira turma, trabalhamos conteúdos de publicidade que utilizavam animais e com base nessas articulações de como está muito integrado com o mundo do consumo, na forma como a indústria do consumo trabalha e explora em quantidade essa afetividade do humano com animal, para fomentar um certo consumo, amplificando intensamente isso. Nesse projeto realizamos bem essa articulação de enxergar como a publicidade, consumo e as relações de poder vão criando essas relações de dependência no consumo, deixado as pessoas viciados em consumir tal produto, conteúdo informacional de forma que a pessoa possa participar da sociedade, destacando-se muito bem neste modelo de sociedade e controle que temos nesse momento.

 

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