Os alunos Giovanna Pedrosa e Pedro Ferreira realizaram algumas perguntas para o Prof. Mestre Gustavo Luiz Ferreira partindo de sua experiência profissional e acadêmica e englobando alguns dos problemas e dos temas abordados em suas pesquisas.  Confira:

1. Qual é a sua experiência no curso de Comunicação e Multimeios?

Prof Gustavo: Eu entrei no começo de 2015. Quando eu cheguei aqui, eu ministrei as aulas de Fotografia, Teorias da Comunicação, Estágio Supervisionado 1, Técnicas e Tecnologias de Criação Verbal e Rádio e TV. Na verdade havia uma outra disciplina prevista, mas eu fiz uma troca para que pudesse ministrar a matéria de Teorias da Comunicação, que é uma disciplina que eu gosto mais de tratar. Agora no meu segundo ano eu mantive Teorias de Comunicação e Estágio Supervisionado 1 e estou responsável também por Estágio Supervisionado 2, Empreendimentos – que é uma disciplina de execução de projetos – e Iniciação a Comunicação e Multimeios, matéria do primeiro ano. Eu resolvi manter algumas disciplinas e trocar outras. Fotografia, por exemplo, não é minha área, apesar de eu já ter trabalhado com foto.

2. O que você entende pelo conceito de multimeios e de que maneira ele está presente em suas áreas de pesquisa?

Prof Gustavo: Multimeios é sempre uma coisa muito difícil de dar uma definição, até mesmo do ponto de vista teórico não há um consenso em dizer o que é e o que não é. Eu, entendo como uma combinação de várias possibilidades e suportes de comunicação, relacionados às possibilidades sensoriais. O audiovisual de certa forma é um multimeio, porque nele se tem o áudio, que você ouve e o visual, que você observa. Então são duas possibilidades sensoriais. Obviamente que a ideia de multimeios aqui para o curso, pensando de uma maneira mais geral e como está sendo tratada hoje, é um conceito que se refere a algo que vai além, que é múltiplo e que não tem somente uma ou duas possibilidades. Envolve outras questões, até mesmo questões táteis. Enfim, é uma mensagem que é construída pensando em várias maneiras diferentes de se realizar essa comunicação.
Na minha área de pesquisa o conceito de multimeios está muito presente, uma vez que eu discuto a indústria musical e o relacionamento da indústria musical com as tecnologias possíveis e principalmente com as tecnologias digitais. Pensando, por exemplo, no começo do século, entre o final dos anos noventa e o início dos anos 2000, vivíamos em um momento onde a indústria da música estava firmada, vivendo já há alguns anos da mesma coisa, com um modelo de negócio muito bem estabelecido. Quando as pessoas passaram a poder consumir música de outras formas, sendo elas formas multimidiáticas, houve uma ruptura muito grande.

3. Em sua opinião, os estudos em rádio e mídia sonora são “deixados de lado” entre as pesquisas em comunicação? Se sim, por que isso acontece?

Prof Gustavo: Não sei se são deixados de lado, mas são poucas pessoas que pesquisam. De certa forma isso é bem comum, porque há fases, assuntos da moda, objetos da moda. O rádio é uma mídia que, de certa forma, se não se adaptar de novo está fadado a um tipo de esquecimento. Não digo que vai sumir, desaparecer, mas os jovens já não ouvem rádio. Pesquisas apontam que mesmo que ainda haja uma grande penetração do rádio, vamos supor que de 70%, na faixa etária de 18 a 30 anos esse número cai para 15%. Ou seja, a audiência vai morrer. Então é preciso que haja outras formas de pensar rádio, a maneira como se ouve hoje talvez não se ouça mais em breve. Também é por isso que o interesse dos pesquisadores são outros. Eu não diria que os estudos em rádio são deixados de lado, mas é algo que é marginal, não é mainstream, não é muito famoso. Os meus estudos se envolvem com o rádio mas são mais voltados para a indústria musical. É que o rádio obviamente é um parceiro muito grande dessa indústria, sempre foi, então acabo tocando nesse assunto. Minha pesquisa de doutorado está bem relacionada a isso porque eu falo sobre streaming, inclusive entendendo streaming como rádio, mas minhas pesquisas não são focadas em rádio AM, FM, na rádio tradicional.
Em termos de mídia sonora, na verdade o que eu sempre acho é que nos próprios cursos de comunicação, fora obviamente os de Rádio e TV, o estudo de áudio é muito reduzido. Fala-se muito pouco de produção de áudio, de produção de música, trilha sonora. No próprio curso de Comunicação e Multimeios acontece isso. Você tem algumas disciplinas que tratam do assunto mas mesmo dentro delas fala-se pouco de produção de áudio e fala-se bem mais em linguagem visual. Eu sinto que a questão do áudio é meio abandonada, falando isso da minha experiência como estudante e também como professor, ao lidar com algumas disciplinas e perceber que os currículos não contemplam tanta coisa de áudio.

4. Como surgiu o seu interesse de pesquisa pelas áreas das sonoridades?

Prof Gustavo: Eu tenho uma relação com a música desde criança, minha família toda gosta disso, então eu sempre tive esse interesse. E na hora de decidir por pesquisa normalmente você escolhe aquilo que tem um certo apelo à  sua vida pessoal. Minha primeira pesquisa, que foi em iniciação científica ainda na graduação, na verdade não era sobre música e sim sobre cinema, porque eu achava que produzir audiovisual era o que eu queria fazer. Na época eu fui até trabalhar em televisão, mas depois fui para o marketing e acabei deixando isso de lado. Como eu já produzia amadoramente música pra minha banda, a música era uma coisa que sempre me interessou. Também havia um elemento muito forte para mim que era o de observar o que estava acontecendo no mundo e uma coisa que se destacava – e se destaca até hoje – é a questão do consumo musical e as novas maneiras e possibilidades. Eu pensava muito no Youtube e no grande público de pessoas que ouviam música por ele.

5. Pensando em consumo musical, de que maneira a cibercultura modificou essas práticas?

Prof Gustavo: Essa questão já se tornou um pouco lugar comum, porque todo mundo já ouviu falar sobre isso, a indústria já bateu muito nesse assunto. Se formos entender a cibercultura como valores e práticas que surgem a partir de uma possibilidade de conexão e de uma lógica de internet, faz sentido que seja a cibercultura que faça isso, mas talvez não seja bem assim. O que acontece é que a internet possibilita a digitalização da gravação musical. Antes havia um período em que tudo era analógico, sendo difícil a possibilidade de se fazer cópias. Ficava-se muito fechado àquele formato. Quando você digitaliza, tendo inclusive grande incentivo da indústria, você abre a possibilidade para que haja cópias sem que se perca a qualidade. É claro que demorou para isso ser realmente fácil de se fazer, mas o fato de você digitalizar transforma tudo em dados e torna mais fácil o processo. A indústria musical tinha um modelo de negócio focado no fato de que você precisa ter o produto físico, e esse quem controla é ela própria. A partir do momento que não há mais esse físico, quebra-se o controle dessa indústria, fazendo com que surjam várias outras maneiras de se consumir música. Isso acaba com o que era a melhor forma de se ganhar dinheiro na indústria musical – o que não quer dizer que ela deixou de obter lucros – e torna necessária toda uma reestruturação em seu modelo de negócio.

6. Em sua dissertação, você abordou a questão do Crowdfunding. Como é para o sujeito a experiência de participar dessa ação?

Prof Gustavo: Participar de um financiamento coletivo/colaborativo significa mais abrir possibilidades de relacionamento com o artista do que necessariamente ouvir música. Quando eu ajudo a fazer o CD de um certo artista, eu não estou comprando o CD, eu estou ajudando esse artista que eu gosto a fazer alguma coisa que eu também gosto, e às vezes ouvir o resultado não é tão importante quanto fazer parte desse processo. Na minha pesquisa eu entrevistei algumas pessoas e o que eu percebi foram três perspectivas: havia uma identificação muito maior com a ideia do crowdfunding do que com a música em si, havia também essa ideia de que era mais por criar um relacionamento com essas pessoas e também se tinha o interesse de abrir contatos mais profissionais com o artista. Enfim, existiam várias coisas que não tinham necessariamente haver com a música. O que também ficou claro é que para essas pessoas não havia uma intenção de mudar o modelo de negócio da música. Ainda há uma questão importante que envolve a valorização que as pessoas passaram a dar na “experiência”, ir ao show porque ele é um experiência musical, um evento. Vai além de ouvir a música. Uma pesquisadora americana – que eu, inclusive, usei na minha dissertação – pesquisou a indústria musical sueca e percebeu que eles criaram certos modelos de negócio que lidavam com essa questão da experiência a partir das redes sociais. Os artistas começaram a disponibilizar sua música de graça e interagiam com as pessoas nas redes sociais para que essas pessoas pudessem ouvir a música e passar a consumir outras coisas, por causa do estabelecimento do relacionamento entre o artista e o fã. Então, o crowdfunding de certa maneira se mostrou um proporcionador dessas experiências e gerador de uma maneira diferente de consumir música, que não necessariamente substitui outras formas.

7. Quais as possibilidades e/ou mudanças que as tecnologias de comunicação digital trazem para a educação e para o sistema de ensino?

Prof Gustavo: Na minha linha de pesquisa no mestrado eu discutia como a formação de um sujeito (como ele foi criado, o ambiente sociocultural em que ele viveu) poderia – ou não – influenciar as pessoas a ajudarem uma banda, por exemplo. Como o fato de que as pessoas cresceram em um ambiente em que a audição musical já era diferente influenciava nessas atitudes. Mas de uma maneira geral, se a gente for pensar na perspectiva de que os modelos educacionais que temos dependem de uma série de tecnologias antigas, como a construção de uma sala de aula, a disposição dos alunos, etc., podemos perceber que isso não conversa com o que a cibercultura faz, que é criar novas formas de consumir mídia. E se você pensar que a educação é um processo comunicacional, midiático de certa forma, as mídias digitais não tem tido ainda o sucesso de fazer com que isso funcione melhor. Pelo contrário, elas criam mais desafios. Proibir que os alunos usem o celular durante a aula, por exemplo, pode funcionar mas não conversa mais com as formas que a própria sociedade tem de lidar com a comunicação. Eu não sou especialista no assunto mas vejo alguns problemas por exemplo na educação a distância, que é hoje muito focada na disposição do aluno, na iniciativa do aluno. Enfim, de uma maneira geral, a comunicação digital, na intenção de tentar ajudar, cria mais desafios do que ajuda. É preciso pensar outras possibilidades.

8. Em algumas de suas pesquisas, você aborda contextos que englobam países latino-americanos além do Brasil. Que importância você acredita que isso tem para as pesquisas em comunicação?

Prof Gustavo: Antes de entrar no doutorado eu tentava pensar em outras áreas de pesquisa e havia um evento em São Paulo que lidava com as questões da latinidade, pedia pesquisas nesse sentido. Eu fui pesquisar a questão da autenticidade da música sertaneja e aí me deparei com a influência da música latina. Houve um momento em que as pessoas estavam mais abertas aqui no Brasil para as músicas que vinham de fora mas, ao mesmo tempo, havia uma resistência de certos grupos a isso, na defesa do que seria a verdadeira música brasileira, o verdadeiro sertanejo. Foi nesse sentido que eu fiz essa amarração com a América Latina.
Eu acho importantíssimo que a gente pense a América Latina. Primeiro porque é o lugar mais perto que a gente tem para visitar, conhecer e trocar dados e informações. Acho relevante que esses eventos chamem a atenção para isso porque a gente lê e produz muito pouco para o restante restante da América Latina. Há muitas discussões nesse sentido, no Intercom deste ano (2016), por exemplo, foi discutido a falta desse intercâmbio e feito um questionamento sobre os brasileiros só produzirem em inglês e português, quase nunca em espanhol.
Nessa pesquisa em si eu fui mais para a América Latina por causa do objeto, buscando entender a influência dessas músicas latinas no sertanejo, para me levar a ideia de que o sertanejo é sempre um estilo mutante, híbrido mas sempre enfrentando resistência. O meu interesse era entender essa dinâmica entre valorização e autenticidade, porque essa marca é muito relevante para vários estilos musicais.

 
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