Nesta entrevista, as alunas Bruna Barranco e Lívia Pinheiro buscam conhecer um pouco mais sobre a formação da Prof. Dra. Ana Cristina Teodoro da Silva e como ela contribui na atual função em que desempenha. Confira:

1. Para compreender o curso, é essencial que se entenda do que se trata Comunicação e Multimeios. Como esse ainda não é um conceito comum ao público, poderia explicar como entende Comunicação e Multimeios?

Prof.ª Ana Cristina: Precisamos entender comunicação, multimeios e a relação entre os dois. Esse ‘e’ aí no meio é bastante importante. Comunicação é um campo muito vasto, quando falamos de comunicação, podemos estar falando de comunicação interpessoal, comunicação midiática, comunicação por meio da linguagem, e essa linguagem pode ser visual, gestual, verbal. Podemos falar de comunicação social, comunicação cultural, sendo que a comunicação é sempre cultural, social e histórica. E Multimeios, como o nome sugere, tem uma multiplicidade, uma variedade de meios que nesse momento da história, na sociedade contemporânea, tendem a convergir, a não se excluírem, pelo contrário, a se integrarem. E o que seriam os meios? A mídia convencional, as mídias alternativas, as linguagens, o próprio corpo como mídia primária, a tecnologia. Então, todo esse arcabouço da comunicação deve ser usado para pensar a relação com multimeios, e o contrário também. Multimeios é pensado, então, como esses meios técnicos de linguagens e meios midiáticos, tudo isso dentro de todos esses fundamentos, essa abrangência, da comunicação. Comunicação e Multimeios é a relação de múltiplos meios com as questões da comunicação. É dessa relação que se trata.

2. O curso de Comunicação e Multimeios da UEM é pioneiro no Brasil, sendo o segundo a ser implantado após a abertura do primeiro, na PUC-SP. O que o diferencia dos demais cursos de comunicação, como se deu a construção do currículo e que tipo de profissional visa formar?

Prof.ª Ana Cristina: Vamos lá, por partes. Como qualquer campo de saber, e Comunicação não é diferente, se olharmos na história, qualquer campo de saber vai se adaptando, vai dialogando com o momento histórico e vai se constituindo. Tradicionalmente, tem uma convenção no Brasil de que Comunicação Social é a grande área e a partir dessa grande área nós tínhamos as habilitações jornalismo, propaganda e publicidade, cinema, relações públicas. E que seriam escolhidas pelo aluno, na maior parte das vezes, a partir de um tronco comum. Então havia um tronco comum de comunicação social e depois no terceiro, quarto ano o aluno escolheria por uma habilitação específica. Porém, recentemente, o Ministério da Educação propôs, e o campo acadêmico da comunicação à sua maioria assimilou essa proposição, dividir o grande campo da comunicação social em cursos específicos. Diante dessa tendência de divisão e fragmentação que o MEC, na realidade, assimilou do mercado, algumas instituições, percebendo na contemporaneidade uma tendência oposta a essa, que é integrar saberes e não de separá-los mais ainda, talvez com alguma teimosia, resolveram expressar em um projeto pedagógico que o campo da comunicação não pode ser fragmentado. Precisamos de uma formação humanística, de um fundamento sólido, de uma discussão crítica da pesquisa acadêmica, para que qualquer produção em comunicação possa ser responsável e possa estar a serviço da cidadania. E as habilitações específicas não tem como escapar de que elas refletem uma necessidade de mercado. O que nós temos num curso como comunicação e multimeios é a preocupação com uma formação humanística, voltada para a pesquisa e que entende o campo da comunicação como sendo um campo de grande responsabilidade social. Assim, não se trata apenas de atender uma necessidade de mercado, não que não pensemos no mercado, mas antes disso a gente pensa na formação dessas pessoas que passam pelo curso e que serão muito importantes, como pontes no futuro no campo comunicacional.

Sobre a construção do currículo, a Universidade Estadual de Maringá constituiu um curso de comunicação de modo tardio. A universidade tem 50 anos ou algo próximo disso e já devia ter um  curso na comunicação muito antes. Essa discussão começou na UEM na década de 1990, mas por motivos políticos internos, a discussão não avançou. Enquanto isso, o que também é relevante para entender a opção pelo curso, o modo tradicional da formação acadêmica da comunicação social com suas habilitações estavam indo muito bem em outras universidades. No ano de 2008, a universidade tinha um bom momento para a criação de cursos e a administração solicitou aos centros que elaborassem projetos de cursos novos que pudessem expandir o leque de abrangência da universidade. E o Centro de Ciências Humanas da UEM percebeu que tinha professores pesquisadores na área de comunicação e constituiu uma comissão para que elaborasse um projeto pedagógico de comunicação na UEM, e eu fiz parte desse primeiro grupo. Esse grupo tinha 12 pessoas com variadas formações, isso é muito rico. Mas quem foi mais efetivo para essa discussão do projeto pedagógico foram: professor José Henrique (Gonçalves), do departamento de História,  professor Fábio (Viana Ribeiro), do departamento de Ciências Sociais, professora Zuleika Bueno, do departamento de Ciências Sociais, professora Valéria Assis e eu do departamento de Fundamentos da Educação.  Então, ali nós tínhamos sociólogos, antropólogos, historiadores, mas todos com pesquisa em comunicação, então flertando com a área da comunicação. E, além disso, tinha uma professora de Letras, um funcionário responsável pela ASC (Assessoria de Comunicação da universidade), sempre com o apoio do Centro de Ciências Humanas e de outros setores da universidade.

Algumas pessoas reconhecem que temos um curso bastante atual e contemporâneo e isso é um retorno importante pra gente. Mas acontece que o curso foi constituído há relativamente poucos anos, entre 2008 a 2010, enquanto nós já estávamos inseridos numa realidade social que incorpora, por exemplo, as mídias digitais e a convergência entre artes e mídias e toda uma crítica aos setores relacionados à grande mídia na história recente do Brasil. Diante disso, o fato de nós sermos tardios, possibilitou um contexto para que nós pudéssemos propor algo diferente, inovador, aproveitando que estamos numa universidade pública e que nós tivemos bastante liberdade para discutir a proposta do curso. Assim sendo, olhamos a região e nela temos outras faculdades que formam para o jornalismo, para a publicidade. O nosso objetivo nunca foi de concorrer com as universidades, as faculdades da região. Com isso, para propor  algo de diferente e de novo, nós vimos nesse modelo humanístico e muito pautado também  na importância da pesquisa acadêmica um modelo importante para uma pessoa formada com bons fundamentos na grande área da comunicação e suas relações com multimeios.  Desde o começo, nosso interesse foi um curso que pudesse contribuir de uma forma crítica, de uma forma propositiva para a sociedade que vivemos. Não queremos formar alguém que atua no campo da comunicação e que seja acomodado com a situação em que vivemos. Queremos um profissional, uma pessoa crítica e que consiga unir uma área que é vista como técnica, com a necessidade de pesquisa fundamental que a área precisa e merece. A história do Brasil recente está farta de exemplos em que percebemos na grande mídia uma incompletude, uma carência de habilidade em pesquisa, de habilidade em reflexão.

Para a terceira parte da pergunta: que tipo de profissional o curso visa formar. Primeiro pensamos em formar profissionais. Esses profissionais podem ser profissionais de mídia, profissionais que atuam em empresas, em instituições governamentais, nas artes, na educação, nas mais diferentes atuações que o grande campo de comunicação possa  nos possibilitar. A educação e as artes, principalmente a educação, tem um vastíssimo campo profissional na comunicação. É interessante dizer também que em uma universidade como a UEM,  que é bastante importante na região, o curso ajuda a formar mercado. Além disso, eu não tenho como dizer se nós seremos bem-sucedidos nisso ou não mas o fato de ter um curso  de Comunicação e Multimeios na UEM faz com que o próprio mercado olhe para o campo de uma forma mais abrangente, que não fique restrito em fragmentos que possam ser inspirados por uma grande mídia, esse é só um aspecto para o grande campo da comunicação. Então o que nós queremos é uma pessoa, alunos egressos, profissionais e pessoas bem informadas nos fundamentos humanísticos, críticos, constituintes, criativos, propositivos dentro da sociedade que vivemos e que possam mesmo desestabilizar o que percebemos de forma mais imediata e superficial na grande mídia ou no cinema de Hollywood. Nós realmente procuramos fazer diferente. Esse campo não está delimitado, e nesse aspecto não queremos enganar ninguém. É um campo que está nos hospitais, nas escolas, nas empresas, nas mídias e ao mesmo tempo não está nominado.

3. Uma das disciplinas que ministra é História da Comunicação. Visto sua formação acadêmica em História, também pela UEM, como surgiu o interesse pela área da comunicação?

Prof.ª Ana Cristina: Quando estava terminando a graduação em História, fui fazer um estágio numa escola com uma turma muito bacana de ensino médio, então segundo grau. Entretanto, foi gritante a apatia daqueles adolescentes. Eu conversava com eles, até porque a faixa etária era próxima, mas percebi que tinha uma grande apatia no universo adolescente, isso me intrigou e eu comecei a querer pesquisar o porquê. A escola para mim sempre foi um campo de acolhimento, um lugar que eu que eu gostava e gosto, e o desânimo daqueles alunos me afetou, simples assim. Com isso, eu montei um projeto de mestrado, para desespero dos meus professores, ainda na área da História, mas muito voltado ao o que estava acontecendo, qual motivo da apatia dos jovens. E apesar de todos os meus professores terem desaconselhado, porque eles queriam trabalhar com temas mais tradicionais da história, passei na seleção de mestrado e com 6 meses de pesquisas já percebi que o meu problema não estava na escola, que deveria pesquisar mídia. A partir daí foi uma loucura, pois eu tinha pouco tempo e já era uma época em que o tempo era determinado para fazer mestrado e queria simplesmente ler tudo que fosse voltado para adolescentes: literatura, programas de rádio, programas de televisão. Nesse processo, percebi que alguns programas da grande mídia eram voltados para atingir o público adolescente, como o Programa Livre do Serginho Groisman e o caderno Folhateen da Folha de São Paulo. Como ocorre normalmente numa pesquisa, foquei no caderno Folhateen da Folha de São Paulo, analisando que tipo de adolescente, que tipo de estereótipo, de personagem adolescente tinha ali. Depois de analisar a mídia impressa, me interessei pelas imagens. Aí eu me encantei. Vi o poder das imagens, como são importantes na diagramação do jornal. Daí em diante, pro doutorado, fui pesquisar imagens de mídia, mas com outra questão: entender porque a mídia consegue uma sedução tão grande, um convencimento tão grande por meio das imagens. Enfim, eu já estava fisgada. Acho que vale a pena mencionar também que junto com tudo isso, simultaneamente, as minhas primeiras leituras voltadas para a comunicação no curso de História eram da escola de Frankfurt, me encantei muito com (Walter) Benjamim, com (Jügen) Habermas. Quando li aquela proposta toda romântica do Habermas para a comunicação, que a comunicação poderia mudar o mundo, me impressionei. Gregory Bateson, um pouco depois. E a paixão  de sempre pelo cinema e pela fotografia. Nunca pensei que essas coisas fossem se integrar numa atividade profissional, e nesse sentido, para mim, é muito legal participar da formação do curso e o acompanhar.

4. O SexCom, seu grupo de estudos, se dedica a relacionar sexualidade e comunicação. Na sua visão, como as duas áreas dialogam?

Prof.ª Ana Cristina: Como já mencionei, entendo, como vários teóricos pensadores da comunicação, o corpo como mídia primária. Qual é a nossa primeira mídia como seres humanos? O corpo. A gente nasce chorando, esperneando, se manifestando, expressando. Assim, podemos entender que a nossa primeira manifestação midiática, para o mundo, é uma manifestação de vida, de sobrevivência. Só isso já seria o motivo para associar sexualidade com comunicação. Mas considero, talvez até eu vá falar algo um pouco surpreendente, um pouco diferente do que os alunos percebem, a discussão de sexualidade e comunicação fundamentalmente ética. O meu primeiro estímulo para compor um grupo de estudos de discussão sobre sexualidade e comunicação, francamente falando, foi tentar estimular um ambiente saudável no curso de Comunicação e Multimeios da UEM. O que desejamos, dentro da nossa proposta de curso, é que o ambiente seja o máximo possível livre de preconceitos e aberto à escuta, às diferenças e à reflexão. Como em qualquer curso em qualquer Universidade, começamos a conviver com alguns problemas, então, a partir desse momento, precisamos de atitudes extra sala de aula para gerar discussão e pensamento. Até hoje acredito que, mesmo não tendo a participação de muitos alunos, a mera existência do grupo faz com que se tenha um certo cuidado e pudor para lidar com alguns assuntos. Assim, em primeiro lugar, penso que é uma discussão que envolve ética, que envolve reflexão. Quando paramos para pensar mas espera aí, sexualidade comunicação, o que uma coisa tem a ver com a outra?, para mim já é interessante. Aí, precisamos pensar o corpo como mídia e, como pessoas do campo da comunicação, precisamos ser pesquisadores, ter uma boa formação em discussões da antropologia e da sociologia, mas também precisamos ser capazes de escutar o outro, e considero que, na sociedade atual, se conseguimos fazer isso como a sexualidade, podemos fazer isso em outras áreas também. Porque a Sexualidade se tornou discurso um fácil, cheio de regras, de normatizações, de polêmicas, polêmicas que às vezes vão para a política, que às vezes que têm poder de destruir uma vida ou de gerar uma identidade e tudo isso aparece, acredito, na discussão que envolve sexualidade comunicação. Também nessa discussão, podemos experimentar e treinar o movimento de sair de si, de sair do próprio umbigo daquela sua história pessoal, única, normatizada que se insere normalmente como como a família tradicional, e pensar que há outros modos de família, há outros modos de sociabilidade, de expressão. No fundo, o meu interesse com grupo de sexualidade e comunicação são os mesmos interesses da ética, que pensemos sobre a moral. Acho que se o estudante de comunicação for capaz de pensar isso em sexualidade, ele pode transpor esses pensamentos para outras áreas. Vou dar um exemplo: o exemplo dos trans. Na sigla LGBT temos lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Se o estudante de comunicação entende um transgênero, se entende que o gênero é algo que não está específico e determinado em uma pessoa, que ela não é só feminina ou masculina, e mesmo o sexo não precisa ser determinado por uma ordem natural. Se consegue fazer essa reflexão, ter essa mobilidade de pensamento, perceber que a gente se constitui, forma identidades e precisa respeitar isso no outro, penso que esse sujeito é capaz de lidar com diferenças culturais, diferenças políticas, mediar uma discussão entre opostos. Vocês vejam, é uma coisa ambiciosa, não é?

E hoje, estou tentando fazer uma limonada do limão, como a sexualidade é um assunto candente e forte, cheio de controvérsias, é aí mesmo que temos que atuar, e ver que relações de poder existem aí, o que não queremos enxergar, como podemos nos movimentar, sair do lugar e pensar com isso.

5. Em seu currículo, é possível perceber uma série de estudos e pesquisas acerca dos temas educação e comunicação, e o curso de Comunicação e Multimeios está alocado no Departamento de Fundamentos da Educação. Qual a relação entre essas duas áreas?

Prof.ª Ana Cristina: Vejo o campo da comunicação como um campo que faz mediação. Mediação vem da mesma matriz de mídia, de meios, e isso não é pouco. No campo da educação, entendo os professores como pontes, fazem também a ligação ou a religação entre uma margem e outra, vejam como isso tem a ver com o que falei antes sobre o grupo de sexualidade e comunicação. Então, tanto comunicação quanto educação cumprem funções mediadoras. Professores são pontes de um certo conjunto de conhecimentos que precisam ser disponibilizados para os alunos, e o campo da comunicação, por mais que seja abrangente, está sempre pensando como pessoas interagem por meio de linguagem, quais são os limites disso, como conseguimos esse contato entre uma parte e outras partes numa rede, de que maneira nos afetamos, somos afetados e afetamos outros, sendo assim, os dois campos trabalham com mediações. A comunicação tem uma função pedagógica, isso é inegável. A formação da nossa subjetividade está muito associada, muito ligada, subordinada mesmo, ao discurso das grandes mídias, ao que aparece no cinema, por exemplo, nos jornais, nos filmes, nas séries. O campo da comunicação está a todo momento afetando. E aí é importante a linguagem como mediação, importante quem fala, como se recebe. Essas são as questões que o campo da comunicação pensa o tempo todo. A educação, por sua vez, não existe sem comunicação. Se pararmos para pensar, todo o processo educativo é um processo de comunicação seja ele oral, imagético, audiovisual. Não consigo imaginar, até na relação mãe-filho, um processo educativo que não seja ao mesmo tempo comunicativo. Então, a comunicação é pedagógica. E a educação é comunicativa. As duas agem na cultura com alterações que são históricas, são importantíssimas para a sociedade, para a formação das pessoas, a formação da subjetividade, ambas trabalham com linguagem e ambas trabalham com mediações. Muitos problemas, muitas coisas que são objeto de investigação na educação também devem ser na comunicação e vice-versa: psicologia, linguagem, mitologia, métodos. Qual é a melhor forma de chegar no aluno? Qual a melhor forma de chegar no público? Por exemplo, no audiovisual, com todas as suas possibilidades educativas, a área da comunicação tem muito a dizer, a discutir com os professores e deveríamos fazer mais isso. A área de educação tem muito a ensinar para a comunicação, porque na educação é mais tranquilo a abrangência dos saberes para que não se entenda o campo da comunicação como restrito às grandes mídias.

6. Uma de suas áreas de interesse é metodologia e pesquisa. O campo da pesquisa em comunicação é ainda pouco explorado. Como vê o panorama e as possibilidades de pesquisa em comunicação no Brasil? 

Prof.ª Ana Cristina: No Brasil, muitos vastas. Comunicação, sendo essa área tão abrangente que pode contribuir com a informática, com a neurociência, com a biologia. Contribuir e ser contribuída, afetar e ser afetada. Com a antropologia, o (Gregory) Bateson, por exemplo, que me influenciou para gostar de comunicação é um antropólogo. Evidentemente com a história, com a sociologia e com todas as tecnologias contemporâneas. Isso no Brasil tem sido pouco explorado, temos ainda relativamente poucos programas de pós-graduação. Talvez até por entenderem que o campo da comunicação se restringe a atuação nas grandes mídias e que se forma um técnico para o mercado. Acho que tem um pano de fundo quanto a isso na formação acadêmica, que esconde o grande potencial da área para pesquisa. Mas se entendemos comunicação de uma forma mais abrangente, temos uma gama enorme de temas a serem pesquisados e mesmo nos temas mais tradicionais no Brasil, carecemos de maior número de pesquisas. Se procurarmos, por exemplo, livros de história da comunicação, temos alguns, sim, valorosos, mas poucos. É uma pesquisa com pouca tradição feita nos últimos anos, não tem muita coisa. Uma outra coisa também que eu acho importante destacar nesse aspecto: a pesquisa, além de ser um caminho possível para ser explorado pelo estudante de comunicação, e nós precisamos de constituição de conhecimento no Brasil, quem estuda comunicação percebe que usamos muitos teóricos europeus, estadunidenses e talvez usemos, relativamente, pouco os autores brasileiros e isso pode ser um reflexo de que nós estamos agora produzindo conhecimento do Brasil mas ainda não tem uma grande tradição como em outras áreas. Mas além dessa questão, e tão importante quanto ela, a formação como pesquisador faz com que a pessoa assimile os fundamentos da pesquisa na sua atuação profissional e até mesmo a sua atuação pessoal. A pesquisa científica, a pesquisa acadêmica, precisa ser fundamentada, precisa discutir o estado da arte, precisamos saber o que os autores e pesquisadores têm falado sobre o tema que escolhemos. Isso significado bastante estudo, significa lidar com posições de diferentes autores e ser capaz de trabalhar com isso, não abrir mão da ética científica. Existem duas características necessárias para ser pesquisador que foram resumidas de uma forma muito interessante por Carl Sagan, que é um autor muito usado em metodologia da pesquisa. Sagan diz que para ser pesquisador, para ser cientista, a pessoa precisa ter ceticismo e curiosidade. Isso é interessante e ele está muito certo, você precisa ser cético e duvidar de tudo, porque aí vai descobrir uma coisa e precisa ser curioso, pensar espera aí, tem mais coisas aqui, vamos aprofundar, investigar esse negócio. E, curiosamente, a gente pode afirmar que para ser um profissional bem-sucedido em qualquer campo da comunicação é preciso ceticismo e curiosidade. Não consigo imaginar alguém atuando em comunicação sem ser cético e curioso. Precisa-se dessas duas qualidades, que são características do pesquisador, são características do cientista. O fato de não termos uma tradição científica em comunicação não significa que a ciência não seja um dos fundamentos da comunicação.

7. Ambas suas disciplinas no curso, História da Comunicação e Ética e Comunicação, são fundamentais na formação do comunicólogo graduado em Comunicação e Multimeios. Poderia dizer de que maneira deseja influenciar no fazer comunicação destes profissionais?

Prof.ª Ana Cristina: Não posso ter a pretensão de falar que vai acontecer isso ou aquilo, porque depende muito dos estudantes e temos respostas das mais variadas. Depende se o estudante quer uma formação mais voltada à tecnologia, ou se tem pendores à discussão crítica e humanística. Então, o outro lado da equação, que são os estudantes estudando, pensando e elaborando isso, é muito importante para falar de influência. Mas posso falar um pouco sobre o que espero, o que gostaria, qual meu ideal.  Penso que a formação em história, a reflexão sobre história, tem alguns pontos que são muito bem-vindos e são mesmo fundamentais para alguém que atua em comunicação. Um deles: todos os fenômenos sociais são sociais, culturais e históricos, ou seja, acontecem no tempo e isso significa que acontecem dentro de um processo, que é mutante, que está sempre em mutação, se movimenta. É muito importante que se entenda que nada é fixo, que construímos nosso contexto, nosso grupo social.  Até mesmo nossa identidade, construímos dentro da história. Isso significa que tudo que nós somos é assim hoje, mas será diferente amanhã e poderia ter sido diferente. As coisas se movimentam de acordo com escolhas que são nossas como grupo social, e com escolhas que vão dialogando com o passar do tempo. É muito importante entender isso. Uma ideia que é muito frequente nos alunos que entram na universidade, acho que não só no curso de comunicação, é que as novas tecnologias trazem novidades no que diz respeito às formas de comunicação, à globalização, à convergência. A convergência por exemplo, é muito comum que seja pensada como um fenômeno atual, aí o curso de história vem e fala olha não é bem assim. Nós já tínhamos convergência em telas das artes, na arte abstrata, no cubismo. A ideia da comunicação à distância, de como isso interfere nas pessoas é uma ideia que vem sendo discutida desde o final do século XIX. Eu costumo desafiar meus alunos para que eles digam algo da atualidade que foi criado agora, um pensamento, um processo que não tenha sido pensado antes. Até agora não tive uma resposta. Então, o que se pensa que é associado às novas tecnologias ou atualidade tem uma história e, se não se sabe que tem uma história que se desenvolveu com o tempo, é porque se está seduzido por um discurso que é ideológico, e que quer nos fazer crer que tudo está associado a uma nova tecnologia e a um mercado atual. A gente pensar porque é assim. Isso é só um ponto. Outro ponto, a história trabalha com versões, trabalha com narrativas diferentes sobre o mesmo fenômeno. Isso é muito rico para quem atua na comunicação, saber que não existe uma história única, que não existe uma perspectiva só, que existem narrativas, perspectivas conflitantes até mesmo contraditórias e que temos que levar todas elas em conta para que possamos ter uma uma visão mais abrangente, mais adequada dos fenômenos humanos. Não existe história única e não deveria existir uma flecha unidirecional nos produtos comunicativo. E uma terceira coisa, ainda para a história, é a questão das fontes, que considero muito importante. No conhecimento historiográfico é dada muita importância para a escolha das fontes, em como as fontes são interpretadas, de onde eu tiro os dados, quais são minhas fontes. Elas representam quem? Quem fez isso? Com que tipo de relações de poder? Como se deve interpretar esse discurso? São questões podemos levar para comunicação de uma forma muito rica. Para qualquer atuação na comunicação nós precisamos pesquisar, para fazer um produto, um filme que seja, para fazer um artigo de jornal. Precisaremos pesquisar boas fontes e saber interpretá-las criticamente e para esse aprendizado a história é ótima. Isso é o ideal em história.

Para falar do meu ideal em ética, preciso falar de moral. Vamos entender moral como um conjunto de normas e regras que temos na nossa organização social, sem as quais não conseguimos conviver. Precisamos desse conjunto normativo como é a lei, algumas coisas que as religiões nos dão, que as famílias tradicionais nos dão. Porém, se ficarmos só no quadrado, no enquadramento moral, vamos simplesmente reproduzir a ordem social que já temos, e, claro, temos algumas boas críticas a ela. Entendo a ética como o tipo de pensamento que questiona a moral. A ética identifica que nós temos enquadramentos, mas questiona isso. Mas espera aí, precisa ser assim? Porque é assim? Isso tem relação com a história. Mas isso não é histórico? Isso não se movimenta? Por que chegamos a esse ponto, podemos sair desse ponto? Então a primeira coisa em ética, acho que é questionar a moral. Uma segunda coisa associada a essa: refletir, pensar. Para questionar a moral precisamos sair do espaço de conforto e pensar algo diferente. Isso se relaciona lá com as questões do grupo sexualidade e comunicação. Pensar diferente, outra proposta, refletir por que nós temos esse arranjo social e não outro. Quando concordamos com um certo estado estabelecido agora, o que isso significa? Como poderia ser diferente? E uma terceira coisa ainda que está dentro da discussão de ética. Discutir ética acaba levando a refletir sobre o que me norteia, o que nos norteia. Qual é nosso norte? Qual é a nossa utopia? Ou é uma distopia? Que tipo de sociedade queremos alcançar? Quem está no campo da comunicação precisa refletir sobre isso, precisa ter consciência desta rede na qual essa pessoa está envolvida. Porque senão será um sujeito levado, precisamos ter consciência do que nos forma. Aí eu acho que eu relaciono muito todos os campos de atuação, essas disciplinas nas quais eu atuo no curso, todas elas têm a intenção de estimular o pensamento para que tenhamos consciência da nossa posição nessa rede, do que podemos fazer e inspirados em quê.

8. Frequentemente pode-se perceber que as disciplinas tendem a ser separadas entre “teóricas” e “práticas”, causando a impressão de que as duas coisas podem ser desvinculadas. Poderia falar um pouco sobre como vê essa situação?

Prof.ª Ana Cristina: Para mim é até difícil de falar porque eu não consigo distinguir uma coisa da outra. Por exemplo, eu brinco com os alunos de ética que ali é o nosso laboratório, a sala de aula, aquele tipo de conversa, é um tipo de laboratório. Acho que isso acontece no grupo de sexualidade comunicação também. Então, eu precisaria ser um tanto sofista, perguntar ‘o que é teoria?’, ‘o que é prática?’. Porque realmente é um pouco difícil de ver uma coisa desvinculada da outra. Mas sobre a aparente divisão entre teoria e prática, entre muitas outras coisas, vou escolher uma para falar: o fato de que quando um estudante, ou alguém da área de comunicação, por exemplo, faz um vídeo, mesmo que não pare para pensar, ali tem uma concepção de fotografia, de imagem, tem um entendimento do que a comunicação pode fazer, tem o entendimento cultural, tem um posicionamento ideológico, político. A política, por exemplo, é algo que a gente não consegue se desgrudar. Não adianta a pessoa, ainda mais alguém dentro da comunicação, dizer ‘olha, eu não faço política, eu não sou uma pessoa política, não tem nada a ver com política’, isso já é um posicionamento político.

O que eu acho que acontece: as pessoas não param para pensar que todas essas coisas que são consideradas teóricas – a cultura, a discussão da cultura, a discussão da ética, a formação histórica, política e outras mais – estão nos produtos finais, no anúncio publicitário, no texto, no blog, e se a gente não pensar, elas estão ali do mesmo jeito e, de repente, certas ideologias estão sendo reproduzidas sem que se tenha consciência disso. Porque não tem como fazer um produto, é até desconfortável falar isso, entre aspas “prático” sem que ele seja pautado em conceitos, porque antes do produto, digamos, material ou virtual, tem a concepção. Caso contrário, sai uma coisa rasa. E se não tivermos consciência do conceito, ele está lá do mesmo jeito, mas provavelmente é um conceito conservador que está tão integrado numa certa situação acomodada, que nem aparece. E essa é uma via de Mão Dupla ao mesmo tempo constituindo o produto, conversando com as pessoas na rua, entrevistando, lidando com uma fotografia no computador, assistindo um filme, fazendo qualquer coisa dessas consideradas práticas, é isso que dá material, estofo, para questionar a teoria. Fazendo essas coisas que vemos o limite ou a abrangência, a validade ou a nulidade do que discutimos com os autores. Então, precisamos entender é que o que chamamos de teoria é uma sistematização de um saber, que é empírico. E o que a gente chama de empiria ou de prático, tem ali os conceitos, que são teóricos. Talvez seja a falta dessa consciência que estabelece essa divisão. Mas precisamos fazer a religação dessas coisas, entender que teoria e prática estão juntas.

 

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